José Xavier: 2041, Antárctida reserva natural da humanidade?

José Xavier já esteve na Antárctida sete vezes. Todas juntas, essas estadias, entre 1999 e 2012, em ilhas e navios, davam mais de dois anos. Tem lá estudado animais de que gostamos muito — os albatrozes, as focas e o símbolo máximo da Antárctida, os pinguins. De que maneira as alterações climáticas estão a afectá-los, bem como a toda a cadeia alimentar do oceano Antárctico, agora e no futuro, é uma das preocupações do biólogo marinho. Mas, aos 39 anos, o português com a expedição científica mais longa no continente branco — nove meses em 2009, grande parte na ilha de Bird, na Geórgia do Sul, que tantas saudades de pastéis de nata lhe causaram — não se ficou pela ciência em sentido estrito e tem procurado intervir politicamente no futuro da Antárctida.

Ou não fosse o actual chefe da delegação de Portugal nas reuniões do Tratado da Antárctida, que o país ratificou em 2010. De acordo com este tratado, de 1959, todas as pretensões territoriais que pendem sobre o continente estão congeladas — sete países reclamam territórios, desde o Chile e a Argentina até ao Reino Unido, França, Noruega, Austrália e Nova Zelândia — e é por isso que só pode ser usado para fins pacíficos e científicos. Reivindicações que, porém, estão mais em hibernação do que outra coisa, à espera da revisão do tratado em 2041. E este é um grande ponto de interrogação.

“Vários assuntos estão no topo da agenda das reuniões do tratado, como as alterações climáticas, a bioprospecção, as áreas protegidas marinhas e o turismo”, diz José Xavier. “Em 2041, os impactos do aquecimento global e a acidificação dos oceanos vão ser tão importantes como a poluição, a sobreexploração dos recursos e a destruição de habitats.”

Muito antes disso, José Xavier antevê que os países dêem os primeiros passos para a revisão deste acordo internacional. “Julgo que por volta da década de 2020 vai começar a haver movimentos diplomáticos para avançar para novas conversações.”

Hoje é difícil tentar adivinhar o que decidirão os países daqui a 25 anos. Se manterão a Antárctida como uma reserva natural da humanidade consagrada à paz e à ciência, como agora, ou se tomarão outros caminhos face a pressões sobre os seus apetecíveis recursos naturais, como petróleo, gás natural e minério, e se cederá a pretensões territoriais. “Julgo que existem condições para que o Tratado da Antárctida continue a funcionar exemplarmente, tal como tem acontecido, além de 2041”, considera José Xavier. “Mas certamente haverá mais pressão para a exploração de recursos que têm estado em stand-by, como o petróleo, e para uma melhor gestão das actividades científicas e o turismo”, acrescenta.

“Muito dependerá do que se vier a passar no Árctico, da necessidade mundial de recursos e da sensibilidade ambiental das gerações futuras de políticos, cientistas e da sociedade. Está a aumentar o interesse em usar o Árctico como meio de transporte marinho para trocas comerciais. Há vários países a reclamar diferentes partes do Árctico (incluindo o Pólo Norte) e um maior interesse na exploração de recursos. Ao não haver um Tratado para o Árctico, as negociações entre os países na região têm sido actualmente grandes e é possível que possamos aprender um pouco como as questões do Árctico vão sendo resolvidas.”

As preocupações mais políticas de José Xavier são visíveis no facto de ter integrado um grupo de 75 cientistas e decisores políticos, de 22 países — era o único português —, que elaborou as prioridades de investigação científica na Antárctida para os próximos 20 anos. Os 80 temas considerados prioritários, repartidos por seis grandes áreas científicas, foram divulgados na revista Nature em Agosto de 2014. “É a primeira vez que a comunidade científica antárctica formulou uma visão colectiva através da discussão, do debate e de votação”, lê-se.

Como biólogo, hoje na Universidade de Coimbra e no British Antarctic Survey, José Xavier tem procurado dar o seu contributo. É aqui que começam a suas aventuras na Antárctida, ou talvez ainda não. Gostava tanto da praia que, aos 14 anos, percebeu o que queria fazer, por isso acabou em Biologia Marinha e Pescas, na Universidade do Algarve. A ligação entre Portugal e a Antárctida viria através das lulas. No terceiro ano, participou em projectos sobre cefalópodes (lulas, chocos e polvos). “Quando cheguei à fase de escolher um estágio, decidi que teria de ser no estrangeiro e que se focaria nesses organismos com um professor em Cambridge, no British Antarctic Survey, que os estudava… na Antárctida.”

Foi assim que, em 1997, foi para o Reino Unido estudar a distribuição de lulas na Antárctida e o passo seguinte surgiu naturalmente, quando lhe lançaram o desafio de continuar o trabalho sobre cefalópodes no doutoramento, mais exactamente o seu papel na cadeia alimentar do oceano Antárctico, usando os albatrozes para os apanhar para os cientistas.

O primeiro contacto com este mundo: seis meses, em 1999, na já falada ilha de Bird, onde viu, assim que chegou, uma colónia de 80 mil pinguins-macaroni. Para o seu trabalho (que ajudaria a pôr em prática medidas para os albatrozes não serem apanhados pelos aparelhos de pesca), pôs aparelhos nas costas destas aves para lhes seguir o rasto por satélite: podia saber onde comiam os cefalópodes e conhecer a sua distribuição. Quando regressavam a terra, fazia-os regurgitar para ver o que traziam no estômago.

Os pinguins juntaram-se aos seus estudos após o doutoramento: como é que as alterações climáticas afectavam a dieta — e assim a reprodução — tanto dos albatrozes-viajeiros como dos pinguins-gentis. E agora, com colegas de vários países, alargou o projecto: como é que as alterações climáticas vão atingir toda a cadeia alimentar do oceano Antárctico? “Os albatrozes, as focas e os pinguins são alguns dos predadores no topo da cadeira alimentar que estudo, no meio da cadeia estão os cefalópodes, peixes e crustáceos, e na base as algas. A minha investigação foca-se nestes elementos e como são capazes de se adaptar, ou não, ao que se está a passar em relação às alterações climáticas.”

Para já, os estudos mostram que, à medida que as águas a norte do Antárctico ficarem mais quentes, o camarão deste oceano irá deslocar-se mais para sul. Quanto aos peixes, lulas, albatrozes, focas e pinguins, ainda não há conclusões sólidas, apenas alguns indícios. “Sabemos, por exemplo, que os pinguins-imperadores poderão vir a declinar devido ao aquecimento do planeta.”

E as outras espécies de pinguins, em 2040? “Umas vão readaptar-se, outras estarão em riscos de extinção. Os pinguins têm diferentes respostas ao que se está a passar na Antárctida.” Os pinguins-gentis, que gostam de águas um pouco mais quentes, poderão não ter problemas, enquanto os pinguins-de-barbicha, habituados a águas mais frias, não terão onde se refugiar se a temperatura subir muito. “Temos provas de que as populações de pinguins-gentis estão a expandir-se para sul, pelo menos na península Antárctica, evidenciando que o aquecimento global pode ser benéfico para eles, e que os pinguins-de-barbicha estão a diminuir.”

José Xavier gosta também de divulgar o que faz ao público, em particular aos mais novos, e explicar por que é importante o país ter cientistas nas regiões polares, até porque ele faz parte do Programa Polar Português. “A ciência é cada vez mais global, tentando resolver questões que tenham implicações planetárias. A Antárctida tem efeitos no resto do planeta, através do clima, das correntes oceânicas, no possível degelo e aumento do nível do mar.”

O seu livro Experiência Antárctica (Gradiva) termina com a chegada a Portugal perto do Natal de 2009, ao fim de nove meses longe. “A família e os amigos compraram-me pastéis de nata e logo no aeroporto comi alguns”, conta. “Após o meu regresso, fiz uma iniciativa educacional que me deu um gosto enorme. Questionei, junto das escolas, o que faziam os pinguins no Natal.”

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