No tempo em que não havia frigoríficos ou arcas congeladoras, chegava o Verão e a população preparava banhos de salmoura, deixava o peixe encolher-se em sal para depois pô-lo a secar sob o calor do sol. Aproveitavam-se os meses estivais para fazer a conservação das espécies apanhadas ao largo da costa da Graciosa e ter pescado para comer todo o ano, mesmo quando o mar se atormentava, deixando os barcos em terra. “Era uma forma de fazer o escoamento e vendia-se em todas as ilhas dos Açores. Aqui na Graciosa, toda a gente o comia, em ceboladas, cozido, frito”, recorda Lázaro Silva, presidente da Associação de Pescadores da Graciosa.
No país, o bacalhau tornou-se ícone nacional, mas na Graciosa a tradição da salga foi-se perdendo para o advento dos electrodomésticos e dos novos hábitos alimentares. João e Valentino Benjamim foram dos últimos pescadores a fazê-lo, “há cerca de 15 anos”. “Hoje em dia ainda há quem o faça, mas só em casa, para uso pessoal.” Agora, a associação local de pescadores quer recuperá-la, mostrar que o peixe seco não tem de ser sinónimo exclusivo de bacalhau e tornar este produto uma marca da ilha.
É no novo edifício da associação, junto ao porto de pescas da Praia, em São Mateus, que os encontramos. A mesa de reuniões está transformada em banquete improvisado para provarmos a iguaria: congro com molho à pescadora. Mário Melo, 58 anos, é o cozinheiro oficioso da associação, leva o petisco às apresentações e feiras. “Esteve a demolhar desde ontem de manhã e hoje, às 6h40, já andava na fervura”, conta. Há que passá-lo por várias águas e fervuras para perder o sal e cozinhar. Depois é só juntar o molho, feito à base de alho, açaflor, sal, malagueta, azeite e um pouco de vinagre. “É [um prato] do tempo dos meus pais. Na altura levavam em marmitas para o almoço durante a apanha da uva e do milho”, recorda Mário Melo, pescador desde os 14 anos. “Sempre fiz em casa. Agora o meu filho também já faz, gosta muito.”
O congro (ou safio) é o peixe mais utilizado, mas “todas as espécies que têm um valor comercial mais baixo poderão ser aproveitadas na salmoura”, explica Lázaro Silva. “É mais rentável e consegue-se ter um bom produto na mesa”, garante. Para além da venda em fresco, peixes como o congro, a cavala, a abrótea, a veja ou o carapau ganham uma nova forma de escoamento, em seco, permitindo não só a valorização do produto (que é vendido mais caro do que em fresco) como o seu envio para mercados distantes sem perda de qualidade.
Este é um objectivo que está nos planos a médio prazo da associação. “Futuramente a nossa ideia é fazer chegar este peixe mais longe. Já mandei amostras para várias ilhas, queremos vendê-lo no continente, nos EUA”, avança o responsável. No entanto, para já, as atenções estão concentradas na Graciosa.
Há três anos, começaram o projecto de recuperação da tradição do peixe seco numa pequena zona no edifício da lota. Ali, o peixe é primeiro limpo e aberto, depois fica em banhos de sal em pequenas arcas (onde pode permanecer um ano ou mais - “temos aqui salmouras feitas em Julho e Agosto de 2015”) e no final é seco dentro de uma “estufa” (uma espécie de câmara frigorífica, mas onde a temperatura “varia entre os 30ºC e os 35ºC”). Este método permite secar o peixe e vendê-lo na praça durante todo o ano. “Vendemos à volta de duas toneladas de peixe seco aqui na ilha ao longo de um ano.”
Agora, o próximo passo é adquirir uma estufa moderna, para aumentar a produção e a qualidade com vista à certificação do produto, com embalagens e uma marca própria. E, muito em breve, “a ideia é ter provas nas peixarias”. Para os graciosenses e, sobretudo, para os turistas. “Temos o nosso «bacalhau» na Graciosa, não é preciso ir buscá-lo à Noruega.”
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