Entramos para uma espécie de cama de madeira, instalamo-nos e, em breve, a areia dourada, que sai de um tubo na parede, começa a espalhar-se suavemente, primeiro sobre os nossos pés, depois pelas pernas, subindo por nós acima até nos cobrir a barriga, os braços, os ombros.
Impossível não nos lembrarmos de quando éramos pequenos e os amigos nos metiam numa cova na praia, cobrindo-nos de areia até mal nos conseguirmos mexer. Mas aqui, no spa do Hotel Porto Santo, onde se pratica a geomedicina, a areia não é uma brincadeira — é um dos recursos mais preciosos da ilha e a base da Terapia de Areias Quentes para tratar problemas ligados ao reumatismo e dores associadas e que está a atrair cada vez mais amputados que sofrem de dores na zona do membro que perderam. Maria Difilippo, a terapeuta que nos recebe, faz-nos primeiro uma avaliação, explicando que o tratamento a que nos vamos submeter é apenas para exemplificar. Os tratamentos a sério têm uma duração que é estabelecida em função do problema que se quer tratar, sendo aconselhado um mínimo de 14 sessões (duas por dia).
E, segundo Maria, ao fim do quinto dia começam a surgir os efeitos benéficos, que se verificam na diminuição das dores mas que são também visíveis nos exames de leitura térmica, que mostram uma redução da zona anteriormente identificada a vermelho, assinalando uma inflamação.
Como o nome da terapia indica, a areia que nos cobre vai aquecendo gradualmente, até atingir os 40º, 43º. Daí que seja fundamental um acompanhamento do paciente durante todo o processo, para o manter hidratado e garantir que não sofre quebras de tensão.
Antes de nos termos enterrado, literalmente, na areia de Porto Santo tínhamos conhecido o homem responsável por tudo isto: João Baptista, engenheiro geológico da Universidade de Aveiro, especialista no estudo dos efeitos positivos dos minerais na saúde humana.
Se recuássemos uns anos no tempo era possível que, numa visita a Porto Santo, tivéssemos encontrado João Baptista acampado na praia, rodeado por maquinetas estranhas. É que desde 1995 que ele começou a estudar as propriedades das areias de Porto Santo. Sabia-se há muito que elas eram especiais e os madeirenses, e não só, sempre tinham vindo para a ilha vizinha para se cobrir de areia e tratar maleitas várias. Mas porquê? Isso ninguém sabia explicar com exactidão.
Desde há muito tempo que a Madeira e Porto Santo eram consideradas estâncias de recuperação terapêutica e climatização, conta João Baptista. “Havia aqui um turismo relacionado com a excelente qualidade do ar, a ventilação e a temperatura.” Em 1924, o médico Nuno Silvestre Teixeira escreveu várias crónicas no jornal local “dizendo que não há estação de saúde como o Porto Santo” e foi por essa altura que se passaram a usar na ilha técnicas utilizadas em zonas balneares francesas, que passavam pela ingestão de águas minero-medicinais e também de determinados tipos de uvas.
“É rara a pessoa aqui que não lhe conte uma história de alguém que tenha tido uma recuperação em Porto Santo, seja com as areias ou com as águas. Só que esta informação estava dispersa e era preciso organizá-la para validar os programas clínicos.” Foi esse o trabalho que João Baptista iniciou: a recolha de testemunhos, a par do estudo das propriedades das areias, comparando as de Porto Santo com as das outras ilhas da Macaronésia. E a conclusão é que estas são, de facto, únicas.
“É uma areia carbonatada, que tem magnésio e estrôncio, e sabemos os benefícios que o estrôncio tem para a saúde como anti-inflamatório natural.” São areias com perto de 35 mil anos, que se formaram numa altura em que Porto Santo tinha um clima tropical e quatro vezes o tamanho que tem hoje. “Possivelmente a temperatura da água, a quantidade de alimento disponível e a luminosidade criaram condições para o desenvolvimento de um certo tipo de flora marinha que cresceu numa plataforma, como um recife de corais.” São esses restos fossilizados de animais marinhos e algas, sobretudo umas algas vermelhas microperfuradas que mantêm o calor e a energia, que fazem a riqueza destas areias biogénicas.
Para que elas funcionem é só preciso pôr os humanos a suar, porque o ácido do suor dissolve as partículas da areia, permitindo que o cálcio, o magnésio e o estrôncio penetrem na pele. A preocupação depois é manter o paciente hidratado e para isso foi criada uma dieta alimentar, com muitos líquidos e saladas feitas com legumes e frutas de Porto Santo, que “devido ao solo e aos parâmetros climáticos” têm também propriedades benéficas.
O único problema é que as areias mágicas de Porto Santo não se regeneram. As condições climáticas de há 35 mil anos alteraram-se e a areia, dourada e finíssima, é um recurso finito. “Temos que gerir bem o que a natureza nos deu porque é um recurso não renovável”, avisa João Baptista. “É o recurso do desenvolvimento estratégico de Porto Santo e até há pouco tempo não era valorizado.” A maré negra, a construção do porto de abrigo, o abandono da agricultura na ilha, tudo tem contribuído para a erosão e “é urgente tomar medidas para contrariar isso”.
Mas nem só de areia se faz uma ilha e Porto Santo tem também a água, com um elevado teor de iodo. Mudamos de cenário e passamos para a zona da talassoterapia do Hotel Baleira. Aqui é a água que nos cura. Começamos com um duche Vichy, indicado para problemas osteomusculares, no qual a massagem manual e a massagem pelos jactos de água se complementam. Passamos de seguida para a zona do circuito Vitapool, aconselhado para relaxamento mas também para quem tiver problemas de reumatismo, circulatórios, musculares, de pele e de equilíbrio, além de ajudar no combate à celulite.
Seguindo as indicações na parede, passamos pelo corredor de marcha, pela sauna seca, pelo hamman, banho turco, piscina animada, na qual há jactos de água de várias intensidades e direcções, que nos massajam dos pés à cabeça, para terminarmos na piscina de relaxamento, onde tudo o que nos é pedido é que nos deixemos boiar enquanto a água de Porto Santo trata de nós.
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