Porto Santo: O Vinho de Porto Santo e o bar 3V´s

Foi por amor, foi por “este príncipe”, que Fátima, nascida nas terras sem fim de Angola, veio para Porto Santo faz já 14 anos. O “príncipe” desta história chama-se José Diogo e faz vinho. Nesta ilha, vítima de “dupla insularidade”, como lembra Fátima, sempre se fez vinho, mas a área de vinha era incomparavelmente maior do que é hoje (algumas vinhas foram expropriadas para a construção do campo de golfe, por exemplo).

Deixamos a zona das praias e dos hotéis e vamos com o casal para o interior da ilha, onde ficam as vinhas. “Os solos aqui são muito calcários, excelentes para a agricultura porque dão muito mais açúcar aos legumes e à fruta”, explica José Diogo enquanto nos dá a provar uma cenoura pequena, entroncada, de cor viva e sabor intenso. Fátima assegura que “o tomate daqui é uma autêntica fruta", come-o "ao pequeno-almoço”.

As vinhas estão em solos de areia, algumas delas rasteiras para se manterem protegidas dos ventos. Caracóis brancos sobem pelas videiras. São uma praga, queixa-se o produtor. E de repente a paisagem que nos rodeia transporta-nos no tempo para muitos séculos atrás e para a descrição feita pelo padre Gaspar Frutuoso em Saudades da Terra: “Ao longo desta costa, ainda que seja de areia, há muitas vinhas, que dão boas uvas; criam-se nelas muitos caracóis brancos.”

Frutuoso fala também da hortaliça “que é extremada no gosto”, nos coelhos “de que toda esta terra é muito povoada” e nas “amoreiras e figueiras, de diversas castas, cujo fruto, pela qualidade da terra e por o deixarem bem madurecer, tem bom gosto”. Porto Santo mudou muito, mas Fátima e José Diogo continuam a acreditar na terra e no que ela dá.

“Antigamente toda a costa da praia eram vinhas”, conta ele, professor reformado, nascido na Madeira mas há 40 anos a viver na ilha e desde há três dedicado à agricultura. José Diogo é um homem orgulhoso dos vinhos que faz. Têm agora aqui Moscatel roxo de Setúbal ao lado da casta mais comum da ilha, a chamada “uva de caracol”, que terá sido introduzida aqui por um imigrante da África do Sul, além do Listrão, do Verdelho e de outras.

Mas se a natureza ajuda quem quer fazer vinho em Porto Santo – “em Junho já temos uvas”, diz José Diogo – tudo o resto são obstáculos. Os cerca de 50 pequenos produtores locais estão agora a tentar fazer uma associação para construir uma pequena adega (só existem adegas particulares) e ganhar alguma escala.

Durante muito tempo, “as casas de vinho da Madeira vinham buscar vinho a Porto Santo”, mas hoje já não se consegue escoar nada para a ilha vizinha. Além disso, José Diogo enfrenta outra dificuldade: quer registar o seu vinho como “Vinho de Porto Santo”, mas isso levanta problemas com as férreas leis de protecção do vinho do Porto. Leva-nos até ao seu pequeno lagar. “Estou convencido de que podemos fazer aqui um vinho de excelência.”

Provamos o rosé feito com Moscatel tinto de Oeiras. “Faz-se aqui um rosé para concorrer em qualquer parte”, afirma o produtor, entregando-nos os copos. Faz também um Moscatel doce, que serve como se fosse um Martini ou em versão Moscatel tónico. Sonha em ter uma marca própria. “O que precisamos é que nos arranjem alternativas, porque não temos a culpa de viver em Porto Santo”. Lá está, é a dupla insularidade na sua versão mais cruel.

Aqui todos os dias se olha para o céu e para o mar para ver se o Lobo Marinho pode fazer a travessia da Madeira para cá e de volta (uma viagem de três horas) ou se é preciso tentar arranjar um lugar no pequeno avião. Mas já foi mais complicado: até ao início dos anos 80, a viagem nos carreireiros que ligavam as duas ilhas e levavam os produtos levava umas cinco horas, com pessoas e cargas à mistura. E se hoje no Verão os madeirenses enchem a ilha para passar férias, no Inverno esquecem-se dela e deixam-na entregue aos seus quatro mil habitantes.

Durante esse tempo, o bar de Fátima e José Diogo está fechado. Mas agora, que a época alta se aproxima, o 3 V´s (Vinho, Vinha e Volta), no centro da Vila Baleira, capital da ilha, prepara-se para abrir as portas. É aí que se podem provar os vinhos de Porto Santo feitos pelo casal e outros produtos, como a farinha de grainha de uva seca (uma forma de evitar desperdício) que também pode ser usada para fazer pão como para fazer uma esfoliação nos deixa a pele macia. Há ainda um óptimo doce de uva moscatel e uma geleia de vinho e de figo e até “gindungo” com as malaguetas daqui.

Foi desde 2011 que pegaram no bar novamente, mas este já tinha uma longa história. “Como fica ao lado da igreja, os homens saíam durante a homilia e vinha para aqui beber”, conta Fátima. “O padre criticava-os, dizendo que em vez de estarem a ouvir a palavra de Deus vinham meter-se no Inferno e nos anos 1980 o José Diogo fez uma série de bebidas ligadas ao tema, a Lágrima do Diabo, o Sangue do Diabo."

“No Verão estamos sempre aqui”, diz Fátima. “Fazemos tudo, desde a apanha da uva até ao vinho, abrir a casa, fechar, fazer os petiscos. Temos brio em algo que possa dignificar Porto Santo, colocá-lo no mapa com o que tem de melhor.”

PUB PUB

Comentários

Os comentários a este artigo estão fechados. Saiba porquê.
Daniel Rocha
Daniel Rocha
Daniel Rocha