O ano correu muito bem a...

Catarina Martins: A protagonista que fez renascer o Bloco

Em 2015 ela herdou um partido dividido e em queda. Levou-o ao melhor resultado de sempre. E pela primeira vez o Bloco faz parte, ainda que sublinhando as “limitações”, de uma solução de Governo.

Catarina Martins levou um partido em perda ao melhor resultado de sempre Nuno Ferreira Santos

Na noite eleitoral, a 4 de Outubro, o ex-coordenador bloquista Francisco Louçã chamou-lhe “heroína”. Os jornais portugueses fizeram o resto: títulos, perfis, fotografias dela sorridente, confiante. A imprensa internacional também usou o substantivo “heroína”, é um substantivo, mas funciona como um adjectivo. A edição europeia do site Politico até a escolheu como uma das personalidades que estão a definir a política na Europa.

A “heroína” é Catarina Martins, a porta-voz do Bloco de Esquerda. Uma protagonista que rejeita, porém, o papel principal que todos lhe atribuíram. Prefere dizer que o protagonista foi, e é, o Bloco e, sobretudo, os eleitores que votaram à esquerda do PS.

Foi actriz, mas, neste caso, tanto palco até a cansa um pouco. “Não sou muito fã de ser observada.” Os holofotes na política implicam, por exemplo, ter de se maquilhar, anda com um estojo na carteira. Não o fazer passa a ser assunto. Mas o facto de ter começado a fazê-lo foi assunto na mesma. Catarina Martins ri-se: “Não é fácil.”

Outra dificuldade é o paternalismo com que considera ter sido tratada por algumas vozes da comunicação social, nestes últimos meses, como se fosse um espanto uma mulher de 42 anos ter ideias e conseguir o que ela e o Bloco conseguiram nas eleições legislativas de 2015.

Apesar de se defender de perguntas sobre esse protagonismo e sobre a forma mais íntima como viveu os dias que culminaram num acordo à esquerda e num Governo apoiado por BE e PCP, Catarina Martins admite que foi um ano feliz. “Acho que correu bem ao Bloco, ninguém faz nada sozinho.”

Quanto ao desempenho que teve na campanha, diz que se deveu sobretudo ao facto de o Bloco ter abordado “coisas concretas, Segurança Social, direitos no trabalho” e de falar com toda a gente. Ainda assim, reconhece que preparou a forma como foi apresentando as ideias na campanha: “Toda a gente vai afinando a forma como conversa com os outros, de maneira a ser o mais bem compreendida possível.”

Foi um ano feliz, mas sobretudo “desafiante”, ressalva Catarina Martins. Foi ela quem desafiou o PS antes da campanha eleitoral que levou o Bloco ao melhor resultado de sempre, foi ela a primeira a desafiar a esquerda na noite eleitoral.

Um desafio que acabou por ser aceite. O país assistiu a algo inédito: PS, Bloco e PCP entenderam-se e chegaram a um acordo para inverter a política de austeridade em Portugal, para pôr em marcha medidas de reposição dos rendimentos do trabalho.

Durante este processo, Catarina Martins avisou que o Governo de direita tinha morrido. Confirmou-se: às 17h16 de 10 de Novembro a esquerda aprova uma moção de rejeição ao programa de Pedro Passos Coelho e de Paulo Portas. O Executivo de direita cai na Assembleia da República. Quase um mês antes, a 12 de Outubro, Catarina Martins tinha dito alto e bom som, diante dos microfones e câmaras de filmar: “O Governo de Passos e Portas acabou hoje.”

A declaração foi proferida no fim de uma reunião com o socialista António Costa, a quem tinha reiterado a disponibilidade para viabilizar um Governo de esquerda no Parlamento, caso o PS respeitasse três linhas vermelhas – não facilitar despedimentos, não reduzir pensões, não descapitalizar a Segurança Social. Apesar de receios e hesitações, o Presidente da República Cavaco Silva acabou por dar posse a um Governo socialista, apoiado por comunistas e bloquistas.

A primeira vez que Catarina Martins lançou o desafio foi a 14 de Setembro, na pré-campanha. Nesse dia, disse “olhos nos olhos” a António Costa na TVI24: “Se o PS estiver disponível para abandonar esta ideia de cortar 1600 milhões nas pensões, abandonar o corte na TSU e abandonar esta ideia do regime compensatório, no dia 5 de Outubro cá estarei para conversar sobre um Governo que possa salvar o país”.

E estava. Logo na noite eleitoral: “A confirmar-se que a direita não tem maioria, se o Presidente da República, por filiação partidária ou pouca atenção aos votos, convidar a direita para um Governo, o BE, como é um partido de palavra, vai rejeitar no Parlamento essa decisão. Esperamos agora a resposta dos outros partidos, a do Bloco é clara.”

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