Oito anos depois de Juventude em Marcha, e seguindo um rasto que inclui também um punhado de curtas-metragens feitas entretanto, o magnífico Ventura está outra vez no centro de um filme de Pedro Costa. Que o lança num labirinto que é, por sua vez, magnífico: o diálogo entre a interioridade de Ventura, espécie de sonho e alucinação permanentes, desfile de memórias e ecos, ora palpáveis ora imateriais, e um cenário que tanto é uma projecção desse sonho e dessa alucinação (como no expressionismo clássico e nos seus prolongamentos hollywoodianos, Tourneur e o noir) como é, de forma inaudita, a cidade de Lisboa e os seus arredores – como se, dissolvido esse núcleo das Fontaínhas, só pudesse haver uma errância sem pontos de referência fixos.
Admirável filme, todo conjugado, nesses termos, entre a abertura ao mundo (as fotos novaiorquinas de Jacob Riis com que Cavalo Dinheiro começa, “universalizando” a figura e o destino de Ventura) e um progressivo fechamento, concretizando naquele espantoso diálogo-monólogo-delírio final, com Ventura e um homem-estátua, zombie vindo da guerra e de Abril de 74, dentro dum ascensor.
A outro nível, impressiona o modo como Pedro Costa, servindo-se de utensílios “modernos” – a imagem digital – e puxando-os a um patamar de apuro estético com pouquíssimos precedentes, deixa o filme ser habitado por inúmeros fantasmas que vêm do cinema, do interior de uma memória, cada vez mais frágil, do que o cinema foi. Mesmo Murnau nos espreita dentro deste filme espantoso. L.M.O.