Dança
Escolhas de Luísa Roubaud, Paula Varanda e Tiago Bartolomeu Costa
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10
MM
De Ludwig Daae
7 de Fevereiro, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães (GuiDance)
Pequena jóia de precisão e inocência que revela, sobretudo, um discurso maturado sobre as relações entre o movimento e a tecnologia, MM é uma revelação pela sua desarmante simplicidade. E, no entanto, este solo inaugural dialoga com o modo complexo como o corpo adquire valor através da sua projecção e da sua exposição. Quando o corpo desaparece e o virtual se instala, é sobre identidade que se fala. A estratégia de Daae é devolver ao real aquilo que surge como construção a partir do que é falso, como se o corpo nascesse do discurso e não do gesto. Tiago Bartolomeu Costa
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9
Built to Last
De Meg Stuart
30 e 31 de Janeiro, Teatro Maria Matos, Lisboa
Épico satírico e imprevisível no percurso de Meg Stuart, Built to Last é uma libertadora alucinação acompanhada de um revivalismo aconchegante. As monumentais composições de Beethoven, Schönberg ou Rachmaninoff são desafiadas por uma desconstrução pós-modernista que dá azo a inventivas interpretações das relações pessoa-cultura, passado-futuro, verdade-propaganda. A qualidade e a intensidade do espectáculo devem-se também ao excêntrico cenário e ao elenco ecléctico perfeito. Paula Varanda
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8
Transposition #2
De Emmanuel Gat
8 de Fevereiro, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães (GuiDance)
Quando Transposition foi criado, a rede que se tecia entre os cinco bailarinos parecia envolver-se em si mesma, sobrepondo camadas de movimentos que se asfixiavam. Foi a partir dessa memória que Gat trabalhou, ampliando para o elenco do Ballet de Lorraine uma multiplicidade de movimentos que, em uníssono, propunham pontos de fuga para esse sentimento de perda de sentidos. O resultado revela a força estruturante de Gat, assente numa vontade de testar o jogo social que se constrói em palco. T.B.C.
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7
Sem um tu não pode haver um eu...
De Paulo Ribeiro
23 de Novembro de 2013, Teatro Viriato, Viseu; 28 e 29 de Março, Centro Cultural de Belém, Lisboa; 30 de Maio, Teatro Nacional São João, Porto (FITEI Dancem!)
Passaram 25 anos desde que este corpo bruto, de gestos nervosos e movimentos áridos, criou Modo de Utilização, ars poetica que atravessaria um percurso em recorrente diálogo com a literatura, a música, o cinema e o teatro. O tempo passou mas este novo solo de Paulo Ribeiro guarda um mesmo desejo de confronto. Mas, guiado por Ingmar Bergman, o corpo reactivo é agora um corpo acossado, marcado pelo tempo, sedutor na forma como vai mentindo a si mesmo. Um quase reinício que é também uma despedida, como se o corpo reconhecesse, afinal, que é ele próprio uma ilusão criada pelo gesto. T.B.C.
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6
Rising
De Aakash Odedra, Akram Khan, Sidi Larbi Cherkaoui e Russel Maliphant
14 e 15 de Novembro, Centro Cultural de Belém, Lisboa
Aprendeu as danças tradicionais indianas kathak e bharatanatyam desde criança e só recentemente chegou ao “contemporâneo” — a versátil e carismática interpretação destes quatro magníficos solos comprovam porque é Aakash Odedra um nome em ascensão. Imensamente livre no modo de lidar com múltiplas heranças, e torneando expectativas pré-determinadas entre “Ocidente” e “Oriente”, esta dança mutante nascida de um entre-lugar é o revigorante sinal das novas identidades artísticas que emergem num mundo de demografia migrante e globalizada. Luísa Roubaud
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5
Desh
De Akram Khan
5 e 6 de Dezembro, Centro Cultural de Belém, Lisboa
Magnífico solo de criador-intérprete, Desh revela dilemas da identidade de um filho da diáspora do Bangladesh, hoje aclamado artista da dança britânica. Akram Khan partilha uma viagem às origens de forma impressionante — pelas técnicas de encenação e de representação, pela síntese e pela sinceridade, pela notável eloquência física. Numa obra graciosa e comovente, transpiram o conflito com a obediência e o encanto pelas narrativas tradicionais. P.V.
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4
Grind
De Jefta van Dinther
14 de Fevereiro, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães (GuiDance)
Composição a três comandada por Jefta Van Dinther, Grind é movimento em vertigem que tem no desenho de luz (Minna Tiikkainen) e na paisagem sonora (David Kiers) dois elementos estruturantes. Mas o que se passa em palco — e nos vários binómios criados (corpo espaço, intérprete/espectador, coreografia/tempo) — é mais do que virtuosismo coreográfico. Uma demonstração de força e presença que reclama o corpo como fronteira ultrapassável e, radicalizando o seu uso, manipula a noção de limite e de entrega. T.B.C.
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3
Passo
De Ambra Senatore
8 de Maio, Teatro Viriato, Viseu; 10 de Maio, Centro Cultural de Belém, Lisboa
Pela primeira vez em Portugal, Ambra Senatore foi uma bela notícia vinda de um país, a Itália, do qual temos tido poucas notícias. Este depurado e eloquente exercício coreográfico transforma sequências de movimentos comuns num subtilíssimo jogo ficcional, tecido numa paleta expressiva pontuada de ironia, humor surreal ou sombras existenciais. A um tempo lúdico e profundo, inteligente e imaginativo, Passo é a demonstração cabal do muito que pode ser dito com muito pouco. L.R.
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2
Puto Gallo Conquistador
De Tamara Cubas
5 e 6 de Setembro, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa (Próximo Futuro)
Puto Gallo Consquitador é uma nova antropologia onde o sujeito escreve a própria História e a experiência do corpo é testemunha. Tamara Cubas fez uma pintura viva sublime sobre o extermínio da identidade colectiva durante a colonização do Uruguai. Na penumbra, os indígenas desgrenhados, cabisbaixos e tacteantes acusam, urrando em protesto uma dor visceral, a sua condição selvagem e oprimida. Do povo soterrado restam as fundas de caça, hoje adornos do sapateado de tacões que um bailarino imponente nos oferece para rematar esta obra inquietante. P.V.
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1
Fica no Singelo
De Clara Andermatt
14 e 15 de Dezembro de 2013, Teatro Viriato, Viseu; 24 e 25 de Janeiro, Culturgest, Lisboa; 6 de Fevereiro, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães; 6 e 7 de Junho, Teatro Nacional São João, Porto (FITEI Dancem!); 13 de Junho, Fundação Eugénio de Almeida, Évora (Festival Lá Fora); 25 de Setembro, Teatro Virgínia, Torrres Novas (Festival Materiais Diversos); 5 de Dezembro, Cine-Teatro de Estarreja
Clara Andermatt surpreendeu-nos com esta incursão num território que a dança tardava em desbravar: o folclore português. Com os seus intérpretes em estado de júbilo e em voo livre sobre a herança patrimonial, reconfigurou, no limiar do reconhecível, tradições como a chamarrita, a gota, o fandango, o corridinho ou a muinheira. Solta de fantasmas, a peça é a antítese da cristalização museológica: o país que agora vimos dançar está infinitamente distante daquele que bailava folcloricamente aprumado, no ocaso do salazarismo, nas fastidiosas tardes de domingo da TV a preto-e-branco, sob a locução aristocrática de Pedro Homem de Mello; mas também não é o país que cantava, enternecedoramente desafinado, quando, no dealbar dos anos 70, a militância etnomusicológica e cinematográfica de Michel Giacometti e Alfredo Tropa antevia um tempo novo. Sessões esgotadas e impressionantes reacções de comoção marcaram o êxito inusitado de Fica no Singelo junto do habitualmente circunspecto público da dança, indiciando haver uma portugalidade a reclamar novas reflexões.
Excepções à parte, nas décadas em que o país se aperaltou para a Europa, a dança contemporânea portuguesa olhou sobretudo para Norte e Ocidente. Fracassado o império e defraudado o sonho europeu, é como se esta dança nos falasse de um Portugal finalmente capaz de olhar para si próprio. E se assim for, quando se comemoram os 40 anos da Revolução dos Cravos, ter-se-ão cumprido, pelo menos, alguns dos ideais de Abril. L.R.