Teatro
Escolhas de Jorge Louraço Figueira e Tiago Bartolomeu Costa
-
10
Os Buddenbrooks
De Thomas Mann. Pelo Puppentheater Halle
9 e 10 de Maio, Teatro Maria Matos, Lisboa (FIMFA)
Com o romance de Thomas Mann lido pelas marionetas hiperrealistas do Puppentheater Halle, revela-se a perigosa vertigem cíclica da sociedade. Transformando a mudança de século na amargura da inadaptação, fixada nas rugas daquela família abastada do Norte da Alemanha, faz-se também, à distância de um século, a denúncia dos fundamentos da crise. Tiago Bartolomeu Costa
-
9
Protocolo
De Jorge Andrade. Pela Mala Voadora
3 a 8 de Junho, Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa (Alkantara Festival); 11 a 15 de Junho, Mala Voadora, Porto
Um espectáculo sobre a etiqueta social que faz da etiqueta um espectáculo, a partir de uma descrição do protocolo na corte de Luís XIV e graças a uma coreografia da cordialidade habilmente montada. Se é uma paródia que apenas reafirma a distinção de classe, ou um exercício de ironia corporal que faz reflectir sobre as regras da sociedade contemporânea, isso caberá ao espectador decidir. A liberdade propiciada é total — menos para os actores, que se vêem e se desejam para acertar o passo. Jorge Louraço Figueira
-
8
António e Cleópatra
De Tiago Rodrigues, a partir de William Shakespeare. Encenação de Tiago Rodrigues. Pela Mundo Perfeito
5 a 8 de Dezembro, Centro Cultural de Belém, Lisboa
O encontro entre o teatro de Tiago Rodrigues, que ensaia modos de existir a partir da sua desmontagem, e o movimento de Sofia Dias e Vítor Roriz, que se constrói a partir da imagem imaginada, serve na perfeição esta aproximação a António e Cleópatra. Um momento raro de diálogo entre três artistas que se resgatam dos perigos de um teatro artificioso e lhe devolvem um sopro de utopia passional. Pouco importa se é dança-teatro ou teatro de movimento, importa que do eco de Shakespeare se faz carne e que as palavras se tornam corpo. T.B.C.
-
7
Demónios
De Lars Norén. Encenação de Nuno Cardoso. Pelo Ao Cabo Teatro O Cão Danado e Companhia
13 de Junho, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães (Festivais Gil Vicente); 8 de Novembro, Theatro Circo, Braga; 12 de Novembro, Teatro Académico de Gil Vicente, Coimbra
Nuno Cardoso conduziu quatro esplêndidos actores, através de um dos textos mais agressivos que se conhecem na dramaturgia ocidental, de modo a que a violência fosse credível, por um lado, e simbólica, por outro. Ecos de outras peças, de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, de Edward Albee, a Ocidente, de Rémi de Vos, soam como uma lembrança de traumas anteriores. O espectáculo torna-se um ritual macabro em que o amor é reduzido a cinzas, perante o horror dos espectadores. J.L.F.
-
6
Ubu Roi
De Alfred Jarry. Encenação de Declan Donnellan. Pela Cheek By Jowl
14 de Julho, Escola D. António da Costa, Almada (Festival de Almada)
Declan Donnelan conseguiu minimizar a eventual resistência à escatologia de Ubu Roi, ao tratar a peça de Jarry como o delírio de um adolescente sobre os seus pais, e assim provar como a visão fantástica e cruel das crianças por vezes se aproxima mais da realidade do que as maneiras fingidas que os mais velhos usam entre si. A capacidade dos actores para se deixarem tomar pela imaginação teatral e oscilarem entre um registo realista, familiar, doméstico, e outro surrealista, aventuroso, épico, é uma prova da maestria do encenador. J.L.F.
-
5
Tropa-Fandanga
Pelo Teatro Praga. Encenação de Pedro Zegre Penim, José Maria Vieira Mendes e André e. Teodósio
20 de Fevereiro a 16 de Março, Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa
O exercício de revisitação a que o Teatro Praga sujeitou a revista e o Portugal em crise foi também um olhar sobre um percurso de quase 20 anos reconstruído por uma inteligência dramatúrgica e musical e por uma elegância visual que douraram este mergulho em apneia num indigesto mal-estar social. Entre duas guerras e uma revolução, a revista voltou a passar pelo Rossio e quis saber se o teatro também tem culpa deste estado de coisas. T.B.C.
-
4
Le Sorelle Macaluso
De Emma Dante
18 de Julho, Escola D. António da Costa, Almada (Festival de Almada)
Aquilo que distingue o trabalho de Emma Dante na cena internacional é o modo como reivindica a singularidade da Sicília. Sem precisar de palavras cheias e metáforas vagas, sem precisar mesmo de imagens fixas e cenários finitos, apenas do corpo dos intérpretes, exposto como ferida aberta e herdada de uma terra de dor e de esquecimento. A vida das irmãs Macaluso é essa história à escala da desgraça privada e das actrizes que, num gesto de absoluta entrega, reinventam a ideia de auto-ficção ao serem corpo e alma de um território. T.B.C.
-
3
Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas
De Joana Craveiro. Pelo Teatro do Vestido
13 a 16 de Novembro, Negócio ZDB, Lisboa
Este Museu é feito de sete palestras — sobre a ditadura, a revolução e o processo revolucionário —, numa cornucópia de factos, depoimentos e documentos que abrange mais de 80 anos da História de Portugal. O lastro que a actriz traz para a cena é apresentado à luz da sua experiência como testemunha inconsciente dos anos 70. O lastro que cada espectador leva para a sala faz deste espectáculo um acontecimento cultural, maior do que uma peça de teatro. Um manancial para a dramaturgia portuguesa, assim este trabalho seja visto nos próximos anos. J.L.F.
-
2
What happens to the hope at the end of the evening
De Tim Crouch e Andy Smith. Encenação de Karl James
25 a 27 de Setembro, Culturgest, Lisboa
A intimidade de Tim Crouch e Andy Smith com o público de Lisboa não é de menosprezar. Os principais trabalhos de ambos puderam ser vistos na Culturgest, e no último, The Author, os actores sentavam-se entre os espectadores. Neste espectáculo estamos ao mesmo tempo na sala de estar de Andy, intelectual conformado, e num teatro, assistindo ao seu reencontro com Tim, revolucionário desassossegado. Ao mesmo tempo que se confrontam estes dois destinos comuns dos movimentos políticos europeus, confrontam-se também dois modos de fazer teatro, um mais ficcional, outro mais documental, ambos pessoalíssimos. A sensação é de que se precipita numa noite única toda a história do mundo (e todo o teatro contemporâneo). J.L.F.
-
1
As Confissões Verdadeiras de um Terrorista Albino
De Breyten Breytenbach. Encenação de Rogério de Carvalho. Pelo Teatro Griot
2 a 4 de Setembro e 10 a 21 de Dezembro, Teatro do Bairro, Lisboa (Próximo Futuro)
Rogério de Carvalho, ovni do teatro português há mais de 40 anos, continua com dúvidas. E, no entanto, a mão parece-nos sempre segura, a direcção sempre confiante, a gestão do tempo da palavra sempre inventiva. As dúvidas de Rogério de Carvalho vêm, afinal, do modo como desaparece no interior do compromisso que há anos estabeleceu com o teatro: o de dar a ver o que não admitimos como evidente. Não é teatro que se esqueça aquele que é assinado por Rogério de Carvalho; a única dúvida é aquela que se instala no final deste espectáculo: o que nos aconteceu?
Na dolorosa viagem de resiliência e resistência que é a de Breyten Breytenbach, é também a história da nobreza dos homens e do seu reverso que se conta. Perante o poder de um texto como este, onde a história da África do Sul é a história de uma luta entre os extremos da natureza humana, Rogério de Carvalho recusa os artifícios da narrativa e propõe uma decomposição da memória através de sete notáveis actores (Ana Rosa Mendes, Daniel Martinho, Giovanni Lourenço, Maria Duarte, Matamba Joaquim, Miguel Eloy, Zia Soares) que ampliam as palavras do resistente sul-africano sem nunca as transformarem em mito. O grande saber da encenação está na filigrânica abordagem dramatúrgica que sabe trazer, através das pausas e dos gestos, os tempos e as memórias de um país dividido — como se fôssemos convidados a participar num ritual ancestral. Político e místico sem ser ideológico nem religioso — não é teatro que se esqueça. T.B.C.