Livros
Escolhas dos livros de ficção, poesia e literatura de viagem por António Guerreiro, Gustavo Rubim, Helena Vasconcelos, Isabel Coutinho, Isabel Lucas, Hugo Pinto Santos, José Riço Direitinho, Luís Miguel Queirós, Maria Conceição Caleiro e Rui Lagartinho
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20
O Meu Amante de Domingo
De Alexandra Lucas Coelho
Tinta-da-China
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19
Stoner
De John Williams
D. Quixote
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18
Contos e Diários
De Isaac Babel
Relógio D’Água
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17
Crónicas do Mal de Amor
De Elena Ferrante
Relógio d'Água
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16
Elogio do Inacabado
De Agustina Bessa-Luís
F. Calouste Gulbenkian
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15
Sempre o Diabo
De Donald Ray Pollock
Quetzal
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14
Educação Europeia
De Romain Gary
Sextante
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13
Autocataclismos
De Alberto Pimenta
Pianola
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12
O Filho
De Philipp Meyer
Bertrand
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11
A Estrada para Oxiana
De Robert Byron
Tinta-da-China
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10
Jóquei
Matilde Campilho
Tinta-da-China
Com Jóquei, Matilde Campilho pôs a poesia portuguesa das gerações mais novas num galope a que ela não estava habituada. Em livro, é a estreia da década. Salta a vedação nacional e escreve num português transatlântico, fora do alcance de lívidas querelas domésticas. E fora de todas as previsões, sobretudo pela confiança na poesia, no poder da poesia, sempre além ou aquém da literatura: “que o que importa mesmo / é roçar a superfície negra/ da pele do peito do anjo / que está vivo / que não dorme.” Gustavo Rubim
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9
Diários - Diários de Viagem
De Franz Kafka (tradução de Isabel Castro Silva)
Relógio D’Água
Em relação a uma edição da Difel, esgotada, de 1986 (tradução de Adélia Silva Melo), a presente edição dos Diários de Kafka, que vão de 1910 a 1923, é composta por muitos mais materiais, que uma edição crítica iniciada em 1982 integrou. Entre eles, estão os Diários de Viagem, que desmentem a imagem muito comum de um Kafka que nunca saiu de Praga. A verdade é que o escritor checo viajou bastante na Europa. Os Diários de Kafka não são apenas anotações do seu quotidiano, são também um laboratório literário. António Guerreiro
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8
Terra Amarga
De Joyce Carol Oates
Sextante
Esta colecção de 16 contos foi publicada originalmente em 2010, pouco depois da morte do primeiro marido de Joyce Carol Oates, numa altura em que, mais do que sempre, a escritora andou a explorar o tema da perda, o luto, o modo de lidar com o que o tempo faz ao corpo e com os males que nos são infligidos. Aqui, é sobretudo a violação, o sexo enquanto usurpação do corpo de alguém e todas as perdas contidas nesse processo. Uma escrita de fôlego, ou melhor, de doseamento de fôlego. É fácil perder o ar no que se revela uma leitura desafiante nas emoções. Isabel Lucas
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7
Nocturno Europeu
De Rui Nunes
Relógio D’Água
Da fortaleza europeia do nazismo, aos mortos a boiar dos mares de Lampedusa, Nocturno Europeu é a viagem por uma Terra que reaprende continuamente a excluir. Que não tem a coragem da diferença, mas a cobardia da indiferença. E que apodrece no seu fechamento, como a outra, a de há setenta anos, gera pessoas sem lugar e sem nome. Nocturno Europeu é um livro de uma escuridão irradiante. A escrita e as fotografias de Paulo Nozolino formam um todo orgânico e tornam-se um corpo não desmembrável. Maria Conceição Caleiro
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6
Assim para Nós Haja Perdão
De A. M. Homes (trad. Miguel Serras Pereira)
Relógio D’Água
Retrato impiedoso e irónico da sociedade contemporânea americana, num tempo em que o “sonho americano” já não se torna realidade. Em forma de tragicomédia familiar, Homes faz um retrato cruel e irónico da falência moral da sociedade americana. Mais do que um romance sobre relações familiares disfuncionais, é um mergulho nas águas negras dos distúrbios trazidos pela modernidade à vida dos americanos. Homes aventura-se numa espécie de estudo anatómico das obsessões “modernas”, dissecando uma mistura estranha de medos (nas suas variantes neuróticas) e de paranóias. Jorge Riço Direitinho
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5
Bonsoir, Madame
De Manuel de Castro
Alexandria/Língua Morta
Incluído por Herberto Helder na antologia Edoi Lelia Doura – que salva apenas 18 “vozes comunicantes” em toda a poesia portuguesa moderna –, Manuel de Castro (1934-1971) era há muito um poeta virtualmente inédito. Se descontarmos A Zona, uma mítica edição fora do mercado, publicou apenas dois livros, ambos esgotados há décadas: Paralelo W (1958) e A Estrela Rutilante. Bonsoir, Madame recupera estes volumes e ainda largas dezenas de poemas dispersos que o próprio autor teria tido intenção de publicar em dois livros, para os quais deixou títulos: Chuva no Dia de Finados e Hiperacusia. Luís Miguel Queirós
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4
Autobiografia
Thomas Bernhard (trad. José Palma Caetano)
Sistema Solar
Em Autobiografia o autor austríaco usa o biográfico (onde a morte parece exercitar-se em continuo nas suas diferentes variantes) como material reinventado para encenar a sua escrita enquanto arte. São cinco textos ficcionais em que ele dá a conhecer episódios marcantes da sua infância e juventude, episódios decisivos para a construção da sua personalidade, e que se tornaram parte do magma fervilhante que alimentou a sua genial e singularíssima obra literária. A vida como uma sucessão de catástrofes: as paisagens bernhardianas de aniquilamento espiritual e físico. J.R.D.
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3
60 Histórias
Donald Barthelme (tradução de tradução Paulo Faria)
Antígona
Dizem-no pós-moderno, iconoclasta. Seguidor de Joyce, Kafka e Beckett, (entre outros), contaminado pelo interesse pela arte - surrealismo, pop-art - Barthelme esgrime temas que vão da política ao poder dos média, dos conflitos entre raças, géneros, alta e baixa cultura, tecnologia e natureza às questões da linguagem e do significado. Com um talento supremo para a ironia, revolucionou, a par de Raymond Carver, o conto como género. Quase todas estas - e as posteriores, 40 Histórias - foram publicadas na New Yorker. Helena Vasconcelos
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2
Não Sabemos Mesmo o que Importa – Cem Poemas
Paul Celan (Trad. posf. Gilda Lopes Encarnação)
Relógio D’Água
Uma antologia de Paul Celan nunca seria redundante, apesar das traduções de João Barrento e Yvette Centeno. Tanto mais que nas propostas de Gilda Lopes Encarnação não há demasiadas sobreposições em relação àquelas recolhas. A importância deste poeta, de quem Steiner disse que "viveu em gozo de licença de morte", é difícil de condensar. Na sua poesia passam, de forma oblíqua, as devastações do século XX, a radicalidade do trabalho sobre a palavra poética e a pulsão dialógica – "Eu sou tu quando eu sou eu." Hugo Pinto Santos
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1
A Morte sem Mestre
De Herberto Helder
Porto Editora
Naquela que é, até ao momento, a mais ponderada e argumentada leitura crítica de A Morte Sem Mestre – Uma Biografia Irónica e Sensível (Relâmpago, n.º 34) –, a ensaísta Rosa Maria Martelo sugere que a polémica em torno da edição e promoção da obra “criou demasiado ruído” e contribuiu para que se enfatizassem “eventuais concordâncias biográficas perceptíveis nos poemas, deixando-se menos legível o facto de haver neste livro muitas referências a uma tradição antiquíssima de escrita, na qual tanto o amor e a morte quanto a poesia e as transmutações da vida surgem juntos desde sempre”.
Com a discussão centrada nos motivos que teriam levado Herberto Helder a mudar de chancela, ou na responsabilidade que lhe caberia no marketing montado para vender o livro, não surpreende que as atenções se centrassem nas passagens aparentemente mais biográficas, e que a estas fosse dado um sentido literal e unívoco.
O que Martelo mostra é que, a par do “homem que se descreve a morrer”, também o “desejo de vida” está presente nestes poemas, que devem ser lidos como “regressos a diferentes origens, pessoais, textuais e cosmogónicas”. Um dos méritos da sua leitura é a naturalidade com que reenquadra na obra do autor um livro que alguns receberam como uma excrescência dispensável.
É provável que os tops de livros não se contem entre as leituras prioritárias de Herberto Helder, mas talvez apreciasse, nesta lista, a sua vizinhança com Paul Celan, um poeta bastante mais da sua família do que possa parecer. Como Herberto, acreditou no poder transfigurador da palavra poética, e como ele soube que o poeta tem de construir uma língua própria e única. Ou, por outras palavras (as do próprio Celan), que “só mãos verdadeiras escrevem poemas verdadeiros”.
Como seria de prever, A Morte Sem Mestre já está esgotado, mas pode ser lido nos Poemas Completos de Herberto Helder, que a Porto Editora acabou de lançar. L.M.Q.
Escolhas de António Araújo, António Guerreiro, Diogo Ramada Curto, Isabel Coutinho, Gustavo Rubim, Hugo Pinto Santos e Nuno Crespo
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19 ex-aequo
Do Colonialismo como Nosso Impensado
De Eduardo Lourenço
Gradiva
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19 ex-aequo
Parte Escrita I,II,III
De Júlio Pomar
Documenta
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19 ex-aequo
Um Diário de Preces
De Flannery O’Connor
Relógio D’Água
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19 ex-aequo
Frágil como o Mundo: Etnografia do Quotidiano Operário
De Bruno Monteiro
Afrontamento
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18
Nas Margens do Político
De Jacques Rancière
KKYM
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14 ex-aequo
O Continente das Trevas. O Século XX na Europa
De Mark Mazower
Edições 70
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14 ex-aequo
A Ditadura de Salazar e a Emigração. O Estado Português e os seus Emigrantes em França (1957-1974)
De Victor Pereira
Temas e Debates/Círculo de Leitores
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14 ex-aequo
Geografia Imaterial. Três Ensaios Sobre a Poesia
De João Barrento
Documenta
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14 ex-aequo
Dialética da Colonização
De Alfredo Bosi
Glaciar
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13
Sobre o Estado. Curso no Collège de France (1989-1992)
De Pierre Bourdieu
Edições 70
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11 ex-aequo
A Guerra que Acabou Com a Paz
De Margaret MacMillan
Temas e Debates e Círculo de Leitores
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11 ex-aequo
Diários
De George Orwell
Dom Quixote
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8 ex-aequo
Sobre a Violência
De Hannah Arendt
Relógio D’Água
Surgido num contexto histórico preciso, os tempos da Guerra Fria, o ensaio de Hannah Arendt sobre a violência tem um alcance mais vasto, procurando explicar uma das características dominantes do século XX. O texto começa por reconhecer estar correcta a previsão de Lenine de que iríamos viver uma centúria de guerras e revoluções, ou seja, um século em que a violência surgiu como denominador comum a vários regimes e ideologias. A racionalidade da violência, porém, só emerge quando os seus objectivos são circunscritos e delimitados, de curto prazo. A autora di-lo quase a terminar o seu escrito, texto que, na sua busca de compreensão do presente e na defesa que faz da liberdade humana, se inscreve em toda a reflexão que Hannah Arendt produziu em torno do conceito de revolução, das origens do totalitarismo e da crítica kantiana à faculdade de julgar. Arendt conclui, de forma algo surpreendente, que o carácter instrumental da violência serve muito mais objectivos reformistas do que revolucionários. A violência é incapaz de se constituir como força motriz de causas, mas pode despertar a atenção do público para elas; e triunfará com mais eficácia quanto maior for a "impotência do poder". Questão que permanece em aberto é a de determinar em que medida todo o poder não é, afinal, intrinsecamente violento. E, já agora, se será concebível assegurar a "potência" do poder sem o recurso à força ou, pelo menos, à ameaça do seu uso. António Araújo
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8 ex-aequo
Obras Completas II – Sentido e Forma da Poesia Neo-realista e Outros Ensaios
De Eduardo Lourenço (Coordenado e introduzido por António Pedro Pita)
Fundação Calouste Gulbenkian
Afinal, como mostra este volume de cerca de quinhentas páginas, magnificamente introduzido por António Pedro Pita, Eduardo Lourenço escreveu muito mais sobre o neo-realismo do que geralmente se pensa. E fê-lo de uma maneira que obriga a repensarmos o que foi esse movimento literário, os seus prolongamentos e as suas consequências. Tornou-se tão fácil e tão simples reduzir o neo-realismo a uma série de lugares-comuns, que bem necessário é, com a ajuda de Eduardo Lourenço, revê-lo na sua complexidade. António Guerreiro
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8 ex-aequo
Textos filosóficos, vol. II – Diálogos em Túsculo
De Marco Túlio Cícero (tradução do latim, introdução e notas de J. A. Segurado e Campos)
Fundação Calouste Gulbenkian
Segurado e Campos traduziu do latim para português, escreveu um estudo introdutório e anotou as Tusculanae Disputationes. Um trabalho de exemplar rigor que constitui o segundo volume da obra filosófica de Cícero (106 a.C. - 43 a.C.). Tal como os filósofos gregos, que admirava e cuja influência se fazia sentir na Roma do seu tempo, Cícero recriou, durante cinco dias na vila de Túsculo, a schola. Mais do que evidente era o contraste entre o debate de ideias proposto pela obra e os acontecimentos sucedidos em Roma, no período de Júlio César (100 a.C. - 40 a.C.). Ao declínio da República e dos seus ideias de liberdade, Cícero contrapôs a defesa das virtudes e da sabedoria. Porém, a mesma defesa não se traduziu nunca numa posição imposta de forma cega, como se fosse um postulado. Pelo contrário, o estilo dialógico permitiu ao autor testar o sentido da linguagem e da prática das virtudes como modo de alcançar a felicidade. Doutra forma, como compreender que, no diálogo quinto, um dos intervenientes afirme, de modo provocatório: “Não sou de opinião que a virtude chegue, só por si, para nos proporcionar a felicidade”. Diogo Ramada Curto
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7
Propagandas. Uma Análise Estrutural
De Jacques Ellul (trad. de Miguel Serras Pereira)
Antígona
Saudar o pioneirismo de Propagandas e proclamar a sua perenidade é um acto de justiça, mas não de inteira justiça. Publicada em 1962, o decurso do tempo tornaria esta obra ainda mais actual do que quando foi escrita. As reflexões de Ellul sobre alguns traços da contemporaneidade – da técnica à alienação, passando pela concentração da produção, do Estado ou do capital – foram revisitadas a partir dos mais diversos pontos de vista. Por muito díspares que sejam, os olhares convergem e confirmam a caracterização do presente como um tempo dominado pela propaganda e pela prestidigitação. Fenómenos expectáveis desde há muitas décadas mas que ocorrem hoje a uma escala tal que até Jacques Ellul seria incapaz de a alcançar quando definiu e analisou a propaganda como uma forma de manipulação de massas não exclusiva das ditaduras. Resta saber se, como o autor almejava, será possível conceber sequer uma "libertação" humana, tal foi o efeito destrutivo que a propaganda exerceu sobre a nossa capacidade de pensamento e de decisão. A derradeira esperança de Ellul na intervenção salvífica do transcendente só tem sentido para quem, como ele, acredite na existência de uma entidade divina. Para os outros, a desesperança total. A.A.
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6
Antropologia da Imagem
De Hans Belting (trad. de Artur Morão)
KKYM / EAUM
O original alemão é de 2001. Artur Morão, a quem já devíamos outra obra do autor (A Verdadeira Imagem, 2011), pôs em bom português este ensaio fascinante do heterodoxo historiador de arte Hans Belting (n. 1935). O desvio para a antropologia deu-se com uma reflexão sobre a morte e suas imagens, agora um dos oito capítulos do livro. Com a tríade imagem-corpo-meio, Belting afasta-se tanto da tradição crítica que suspeita da imagem, quanto da idolatria das tecnologias do virtual. Até agora, o ponto mais alto da excelente colecção Imago. Gustavo Rubim
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5
O Capital no Século XXI
De Thomas Piketty
Temas e Debates/Círculo de Leitores
Poderão sociedades cada vez mais desiguais continuar a crescer economicamente? A questão não é nova, pois muitas teorias do desenvolvimento e da modernização posteriores à Segunda Guerra também se interessaram em explorar os mesmos termos. Nova é a resposta que o economista francês, Thomas Piketty, lhe procura dar neste livro. Por um lado, a sua análise baseia-se numa recolha sistemática de dados provenientes de vinte países, relativos aos últimos três séculos. Tal como se não houvesse economia sem história, a análise económica investe, assim, no estudo de processos de longa duração. Ora, já Fernand Braudel, nos seus estudos sobre a história do capitalismo, insistira no mesmo aspecto. Por outro lado, Piketty insere-se na velha tradição da economia política, de Adam Smith a Karl Polanyi. Ou seja, retoma as críticas à economia política, feitas por Marx, no sentido de voltar à economia num amplo quadro histórico e sociológico, atento ao problema da desigualdade e da concentração da riqueza. D.R.C.
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4
As nuvens e o vaso sagrado. Kant e Goethe. Leituras
De Maria Filomena Molder
Relógio D’Água
Este não é um livro sobre Kant, Goethe ou outro autor. Neste conjunto de artigos surgem muitas outras vozes que Molder usa como princípios de interrogação não só da arte, mas da visão, da experiência, das imagens e das formas. Mas este também é um livro sobre os limites do pensamento e da necessidade de os ultrapassar convertendo-os em limiares e, assim, possibilitando a expansão do pensável e das possibilidades da experiência humana. Nuno Crespo
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2 ex-aequo
Pensamento Crítico Contemporâneo
De Vários (org. Unipop)
Edições 70
Este livro é uma antologia de textos sobre as possibilidades, os limites e os começos que o século XXI representa, acentuando a pertinência política e reflexiva do pensamento crítico. Cada texto, sobre autores tão diversos como Adorno, Judith Butler, Said ou Negri, teve origem num conjunto de seminários de leitura promovidos pela associação Unipop e cujo prolongamento e aprofundamento se materializa agora nesta obra. Sobretudo, trata-se de uma ferramenta importante para se poder fazer face ao presente. N.C.
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2 ex-aequo
Ouro e Cinza. Crónicas 2002-2012
De Paulo Varela Gomes
Tinta-da-China
De que trata afinal Ouro e Cinza? O autor lança a pergunta, confessando ser incapaz de lhe dar resposta. Sentimentos, sítios, bichos e imagens. Textos sobre Portugal destruído pela estupidez humana, percursos por Goa sem orientalismos turísticos. A prosa, essa, é deslumbrante, rasurada de artifícios, feita tão-só da palavra certa, não mais do que ela. Crónicas breves, agora reunidas em livro que apenas tem um defeito: a resenha foi demasiado selectiva, deixando nos leitores o ansioso desejo de oferta mais generosa. Ao fim de tantos anos de devotado culto, temos expectativas legítimas, direitos adquiridos. Não percamos pois a esperança de maior colheita, porque aqui a terra é fértil – e imensamente bela. A.A.
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1
Massa e Poder
De Elias Canetti (tradução de Paulo Osório de Castro e Jorge Telles de Menezes)
Cavalo de Ferro
Este ensaio monumental, publicado em 1960, foi para o seu autor, Elias Canetti, escritor de língua alemã que pertenceu à “civilização” austro-húngara, o projecto de uma vida. Não se trata de um trabalho que obedeça aos protocolos e às regras de uma investigação académica, tanto mais que escapa a todas as definições disciplinares canónicas. Nele se convocam saberes vindos de várias áreas: sociologia, antropologia, psicologia social, sociologia das massas. Não podemos entender este ensaio sem ter em conta o contexto histórico de onde ele nasce e uma nova realidade que ele ajuda a pensar: os totalitarismos políticos do século XX, ligados à emergência da massa e aos seus factores de formação. Canetti procede então à categorização de diversos tipos de massa, mostrando que ela é sempre constituída por elementos arcaicos e adquire formas regressivas, sendo a matilha a mais regressiva de todas. Importa perceber que, para Canetti, massa e multidão são duas coisas distintas; e que, como o título indica, as formas modernas do poder têm de ser compreendidas em função do fenómeno da massa, tal como Canetti o analisa. Os nacionalismos modernos e a dimensão religiosa que adquirem as reivindicações identitárias das nações são um dos temas fundamentais tratados em Massa e Poder. E a questão da morte está presente do princípio ao fim, não só porque o poder máximo consiste em dispor do direito de vida e de morte sobre os outros, mas porque a massa, segundo Canetti é uma denegação da morte, uma maneira de a esconder. A.G.