Solen Bodilis trabalha em part-time — 80% do horário normal, “o que também significa 80% do salário e 80% das férias”, mas é uma forma de ter as quarta-feiras livres para estar mais tempo com os quatro filhos. A geóloga de 45 anos fez uma escolha bem mais comum em França do que em Portugal: um terço das francesas trabalha a tempo parcial. Nascida na Bretanha, é casada com António Pires da Cruz, um engenheiro mecânico português de 44 anos. Vivem em Rueil-Malmaison, cidade tranquila de 80 mil habitantes, na margem esquerda do Rio Sena, a poucos quilómetros de Paris.
Ao fim da tarde, o centro é invadido por mães e pais com carrinhos de bebé e crianças a andar de bicicleta. Na montra de uma pastelaria, cheia de bolos de cores garridas, há um letreiro que convida a comprar um doce para oferecer no Dia das Mães, que aqui se assinala no último domingo de Maio. Estamos em França, o país com o maior índice de fecundidade da União Europeia. Portugal está no outro extremo: é o menos fértil.
Com uma média de dois filhos por mulher, que se tem mantido estável, a França consegue estar na confortável situação demográfica de ter “a substituição das gerações garantida”, nota Claude Martin, responsável pela cadeira de Protecção Social na Escola de Altos Estudos em Saúde Pública, em Rennes, e director do Centro de Investigação da Acção Política na Europa, que tem sede na Universidade de Rennes 1.
Desde o início da década de 30 do século passado que as políticas de família francesas se baseiam na promoção da natalidade , explica Claude Martin. Mesmo assim, ao longo dos anos de 1970, o país ainda assistiu, como outros europeus, a uma quebra, “com a generalização dos métodos contraceptivos e da ideia de que havia que concentrar energias num número menor de crianças”. Em 1995, o índice de fecundidade atingiu os valores mais baixos: 1,65 filhos por mulher. Depois, algo mudou. E muito: “A recuperação assumiu estes números: de 760 mil nascimentos em 1995, para 808 mil, em 2000, e 833 mil, em 2010.”
França seguiu, portanto, o sentido inverso de Portugal que, em 2013, o último ano para o qual há dados, apresentava um índice de fecundidade de 1,21. O que explica a retoma francesa? Essa é a pergunta difícil, diz Claude Martin. Mas foi essa que fomos fazer a famílias e especialistas no assunto. E mais esta: de que forma pode a França inspirar Portugal a resolver um dos seus problemas mais estruturais?
Mais tempo com os filhos
Regresso a Solen Bodilis e António Pires da Cruz, em Rueil-Malmaison. Com a família a crescer, o casal trocou um apartamento de 70 metros quadrados, no centro, por uma bem mais espaçosa moradia alugada, com um jardim nas traseiras e um balouço. Recebem-nos com Tiago, 16 anos, Anna, 15, Aël, 9, e Sara, 5 — todos frequentam escolas públicas.
Há uns anos chegaram a ter em casa uma ama, que partilhavam com outra família para que os 1400 euros que ela ganhava não pesassem tanto no orçamento familiar. O Estado ajudava a pagar parte dos encargos sociais da funcionária (Segurança Social, seguros, etc...) e parte do salário dela era deduzível nos impostos.
Solen trabalha numa empresa em Paris, a “40 minutos de comboio se tudo corre bem”, e António faz investigação na área de motores automóveis, num instituto semi-público, a poucos minutos de bicicleta. Organizaram-se com outras famílias para que cada dia da semana seja uma diferente a levar de carro os miúdos mais velhos ao Lycée International de Saint Germain en Laye — todas têm carros onde cabem seis ou sete crianças. Só Aël e Sara não precisam desta boleia, a escola delas é perto de casa.
Esta organização informal entre famílias é comum em França. Outro exemplo: em várias cidades vêem-se sinais de “Pédibus” nas ruas — são uma espécie de sinal de trânsito, colocado nos passeios, onde a uma hora pré-determinada as crianças se juntam com a certeza de que há um pai ou uma mãe que levará todos para a escola, a pé, em segurança. Lê-se num desses sinais que assim se evita o caos (“e a poluição”) dos carros parados junto aos portões das escolas à hora das entradas e das saídas.
Foi quando Aël nasceu que Solen decidiu trabalhar menos horas por semana. “É um direito em França”, sublinha. Os empregadores não podem recusar, têm de manter o posto de trabalho de quem quer gozar o chamado “complément de libre choix d’activité” (em 96% dos casos mulheres) e o trabalhador pode reduzir o horário, ou até cessar totalmente a actividade, até ao terceiro ano de vida do filho.
A Caisse Nationale des Allocations Familiales (Caf) — o braço familiar da Segurança Social francesa — encarrega-se de pagar ao trabalhador o dito “complément”, uma espécie compensação para minimizar a redução ou a perda de salário.
“Eu recebia 100 e tal euros por mês e foi assim até aos 3 anos da Aël”, conta Solen. “Depois fiquei sem receber algum tempo, mas mantive o part-time. Depois, voltei a receber após o nascimento da Sara, outra vez até aos 3 anos.” Com alguma polémica à mistura, a lei mudou no ano passado e as regras e duração do “complément” encurtaram, mas isso já não afecta Solen.
Findo o período legal desta licença, o empregador pode dizer que não quer que o trabalhador continue a part-time. “Mas isso não aconteceu comigo”, continua. E não acontece com muitas outras mulheres de profissões mais qualificadas que, diz, mesmo estando a 70% ou 80%, acabam por fazer quase o mesmo trabalho que fariam com um horário completo. Às quartas-feiras, quando não vai trabalhar, a geóloga mantém muitas vezes o computador de casa ligado.
No ano passado, 480 mil famílias optaram, após a licença de maternidade , por reduzir ou parar a sua actividade e receberem o “complément”.
Pagar o preço de ser mãe
Esta medida tem alguma consequência negativa na carreira das mulheres? “Tudo tem uma consequência negativa na carreira das mulheres. Há grandes diferenças salariais em França e uma mulher nunca tem a mesma confiança dos empregadores, porque eles sabem que pode engravidar, pode sair para tomar conta dos filhos...”, diz Solen, encolhendo os ombros.
Mas é uma ajuda entre muitas outras que o Estado francês proporciona a quem tem crianças, sublinha logo de seguida. “A França é um país confortável para se ter filhos. Até hoje tem promovido a natalidade, através de políticas sociais agressivas, tanto dos governos de esquerda como de direita. Não sei se as pessoas têm mais filhos porque têm mais facilidades, mas é um facto que quando os têm as coisas são fáceis”, acrescenta António.
Outros exemplos dados por António para ilustrar por que é “mais fácil” ter filhos aqui do que nos Estados Unidos, onde chegou a viver e onde os dois filhos mais velhos nasceram, ou em Portugal: “empresas com horários flexíveis, compatíveis com os horários escolares”; “reduções sistemáticas” nos transportes públicos a partir dos três filhos; “dedução de impostos (equivalente IRS português) bastante consequente quando se têm quatro filhos”; um leque vasto de actividades desportivas e culturais, dos municípios e associações; o abono de família, que é de “600 euros, no nosso caso” — mas vai deixar de ser, em breve, com os cortes anunciados.
Para além disso, os serviços de guarda das crianças mais pequenas são vários e subsidiados. As amas, por exemplo, são muito populares. Segundo o Observatório Nacional da Pequena Infância, têm capacidade para receber 950 mil miúdos. É a maior oferta para menores de 3 anos que há no país.
Existem ainda amas que podem ser contratadas directamente para trabalhar em casa das famílias. E as despesas com elas podem ser deduzidas nos impostos, como fez a família Pires no passado.
“École maternelle”
A segunda grande oferta é a das creches, que funcionam em média dez horas e meia por dia, de acordo com o Observatório Nacional, a “preços acessíveis”, na avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), no seu relatório Doing Better for Families (2011).
Quando as crianças fazem dois anos e meio, algumas (100 mil, em 2013) já têm vaga nas “école maternelle”, instituição pública de que os franceses muito se orgulham, criada ainda no século XIX, e de frequência gratuita. E mais de 95% das crianças entre os 3 anos e a entrada na primária estão na “école”. “A política de família em França está essencialmente organizada em torno dos serviços de cuidados à infância, com o papel crucial da ‘école maternelle’”, diz Claude Martin.
Os “centre de loisir” são outra figura importante. “A escola acaba às 15h45 e, depois disso, os miúdos podem ir para casa, se os pais os puderem guardar, ou continuam com actividades sob a responsabilidade de animadores, que dependem da municipalidade, e que os ocupam com animações, ateliers, etc.”, explica Carlos Pereira, pai de três filhos, director do semanário LusoJornal.
“Estas estruturas guardam as crianças de manhã, antes da escola abrir, e à tarde, depois da escola fechar. Guardam também durante as férias escolares. Se não fosse este sistema de acolhimento na escola, não era possível os pais continuarem a trabalhar ou então teriam menos filhos”, explica o jornalista que vive em Saint-Denis, onde integra o Conselho Consultivo da “Petite enfance” — um organismo criado no ano passado na autarquia onde se debatem desde as regras de acesso às creches, aos horários.
Tanto as amas, como as creches, as cantinas escolares, os “centre de loisir” são pagos pelos pais em função dos seus rendimentos. O sistema é complexo e as políticas de preços do que são os serviços municipais variam conforme as autarquias, diz Pedro Vaz, um lusodescendente, pai de duas filhas, uma à beira de fazer nove e outra perto dos 12, fundador da Agora Plus, uma firma que desenvolveu um software que faz, para 120 câmaras francesas, a gestão dos serviços para a “pequena infância”.
Por exemplo, há municípios onde o preço mínimo por refeição não vai além dos 50 cêntimos, para os mais pobres. Há outros que optam por não cobrar a quem mais precisa. A família Pires, por exemplo, paga em média 5,5 euros por refeição/criança. A família Caria, com quem falaremos à frente, paga 2,80.
Já para suportar a despesa com amas e creches há a comparticipação da Caf — também definida em função dos rendimentos e composição familiar, a nível nacional — sendo que algumas autarquias disponibilizam ainda apoios extra. António Pires da Cruz diz algo com piada: “O quociente familiar está sempre presente na nossa vida.” Como assim? “Todos os anos vamos à câmara, com a folha dos impostos, dizemos quantos filhos temos, que salários, e eles fazem os cálculos e dizem quanto vamos pagar pela cantina, a creche, o ATL.”
Por tudo isto, diz a OCDE que a França se sai bem “em várias dimensões relacionadas com o balanço entre vida profissional e família”. Anália Torres, socióloga no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa, sublinha o “investimento brutal” em serviços de guarda de crianças que tem sido feito em França. “O trabalho é muito importante e é essencial que seja possível conciliá-lo com os filhos”, prossegue. “Não é nas sociedades onde as mulheres trabalham menos que se tem mais filhos.”
Os franceses são dos que mais gastam, em percentagem do PIB, em prestações, serviços e benefícios fiscais especificamente destinados às famílias. A média da OCDE era em 2011 (os últimos dados disponibilizados pela organização na sua base de dados sobre apoio às famílias) de 2,55%, em Portugal de 1,4% e em França de 3,6%.
Olhando para a educação pré-escolar, outro indicador valorizado pela OCDE, a França é também dos que mais dinheiro público canaliza para o sector: 0,71% do PIB contra uma média na OCDE de 0,6% e, em Portugal, de 0,39%.
O OCDE só faz um reparo na sua avaliação: a França devia tomar mais medidas para promover uma maior partilha entre homens e mulheres, nomeadamente das licenças parentais. Ainda assim, delegações de todo o mundo, nomeadamente coreanos e japoneses preocupados com o declínio demográfico, viajam até aqui em busca do mistério da fertilidade do país.
Resta saber o impacto da reforma das prestações familiares recentemente aprovada, com entrada em vigor em Julho, e que tem sido vista, por alguns, como um golpe na internacionalmente elogiada política natalista de França. O Governo garante que os apoios diminuirão sobretudo para os mais abastados e até aumentarão para alguns dos mais pobres. A família Pires é das que já estão a contar com os cortes.
Ter filhos no desemprego
Samuel, 4 anos, Romane, 9, e Tiago, 11, tomam o pequeno-almoço na cozinha, a ver os desenhos animados na televisão, depois sobem ao 1.º andar e lavam os dentes, calçam-se, acabam de se vestir. Fazem tudo com calma. José, o pai, engenheiro de telecomunicações, nascido na Covilhã, a viver em França desde criança, ajuda o mais pequeno. Às 8h40 descem à garagem, entram no Clio branco, arrancam para a escola. Estamos agora com a família Caria, em Forges les Bans, uma antiga vila termal, com menos de 4000 habitantes, a 40 quilómetros de Paris.
Em poucos minutos, José e os filhos chegam à escola — um vigilante, homem muito alto e encorpado, coloca-se no meio da estrada e manda parar os carros para que as crianças que chegam a pé possam atravessar em segurança. José faz questão de deixar os mais velhos à porta da escola dos mais crescidos e de levar o mais pequeno pela mão à sala — “É um hábito aqui ir à sala, falar uns minutos com a professora e sair.”
Mas hoje o pai Caria tem uma surpresa, como se nota quando, poucos minutos depois de entrar no edifício, regressa com o pequeno Samuel. “A professora faltou e não há substituta.”
Quando uma educadora falta e não há substituta, as crianças podem ser distribuídas por outras salas, explica. Mas Samuel é dos que prefere ir para a casa da avó do que ficar numa sala sobrelotada. Não é longe, a casa da avó — 13 quilómetros. Às 9h25 desta terça-feira em que o PÚBLICO acompanha a família, Samuel é entregue aos mimos da “dona São”. José já está atrasado.
Pelas 16h00, será São quem irá buscar os irmãos de Samuel à escola. Pelas 17h Anne Caria, a mãe, professora, chegará a casa. Pelas 18h, levará Tiago ao treino de futebol e Romane à terapia da fala. Aos sábados as crianças têm aulas de português. E há ainda a catequese, o andebol... A logística parece complicada mas com Anne em part-time — só trabalha três dias por semana — e a mãe São já reformada, tudo é mais fácil. “Trabalhar a meio tempo é uma escolha para poder cuidar dos meus filhos melhor”, diz Anne.
E se a família não tivesse rendimentos suficientes para trabalhar em part-time, teria tido três filhos? “Tinha na mesma, era o meu sonho.” E vai mais longe: se fosse preciso deixar de trabalhar, também o faria — porque felizmente o salário de José daria para isso. Mas não é só uma questão de salário, defende. “Tenho amigas que, mesmo no desemprego, decidiram ter filhos porque pensaram: ‘Se não for assim, o tempo vai passar, e já não vou ter.’ Acho que um casal que estiver na dúvida pensa: ‘Vamos ser ajudados, não vai ser assim tão difícil.” Daí, sublinha, a importância do sistema francês de apoios.
Mas Anne nota também uma enorme diferença de mentalidades em relação às crianças. “Quando vou a Portugal as pessoas olham para mim e dizem: ‘Três? Meu Deus!’ É como se fosse uma loucura. E eu penso: ‘Mas não são assim tantos’, em França a média é dois, não é?”
É. E é interessante verificar como os portugueses, que em Portugal têm em média poucos filhos, em França têm mais. Em 2004, Laurent Toulemon, investigador principal do Institut National d’études Démographiques (Inde), apresentou, na revista Population et Sociétés, cálculos sobre a fecundidade das imigrantes em França, por nacionalidade, com base no comportamento observado entre 1990 e 1999. Concluiu que o índice de fecundidade das portuguesas, em Portugal, era na altura de 1,49, em média, mas que, em França, a comunidade portuguesa apresentava uma média de 1,96.
E eis-nos chegados a um ponto sensível: a ideia de que a recuperação francesa se deveu à entrada de imigrantes no país. Verdade? “Este argumento da imigração é um erro absoluto e é fácil de entender”, diz Claude Martin.
“Primeiro porque o número de imigrantes, que é controlado e limitado, não é grande o suficiente para explicar a recuperação da fertilidade em França.” De acordo com um estudo recente do Inde, o índice de fecundidade das mulheres imigrantes em França é de 2,6 mas isso pesa pouco na média nacional, argumenta-se, porque elas representam menos de 10% das mulheres em idade fértil.
Prossegue Claude Martin: “O nível de fertilidade de uma mulher da África subsariana que vive em França é muito menor do que o de uma mulher que ainda vive no continente africano. E uma mulher italiana que vive em França vai ter mais filhos do que uma que vive em Itália. O nível de serviços no país de acolhimento pode explicar essa diferença, mas também as mensagens normativas sobre o que é um comportamento feminino ‘normal’ na comunidade de acolhimento.”
Protocolo da grávida
Há um protocolo a seguir por quem tem um bebé em França. “A declaração de gravidez à Caf deve ser feita antes da 14.ª semana”, conta Sónia Lopes, 37 anos, filha de portugueses, nascida e criada em França. “Depois, fazemos a inscrição na creche ao 6.º mês da gravidez. Ao 7.º recebe-se a ‘prime de naissance’” , 900 euros (sob condição de recursos) para ajudar nas primeiras despesas.
Quando Gabriel (o mais velho de Sónia, agora com 8) nasceu, esta trabalhadora numa empresa de telecomunicações teve esperança de que quando a licença de maternidade terminasse, teria lugar para ele na creche municipal. “Mas não foi nada assim, não houve lugar. Todos os meses, há uma comissão que analisa o nosso pedido e recebemos uma carta: ‘estudámos o seu dossier mas não foi aceite, lamentamos, não há lugar.’ E eu todos os meses renovava o pedido.”
Carlos Pereira confirma que esta é uma situação comum: “Não há creches para tantas crianças.” Mas “há alternativas oficiais”.
Sónia recorreu então a uma ama, “que cobrava cerca de 700 euros por mês”, mas “a Caf pagava cerca de metade”. Mais tarde, nasceu Pierre, que está agora com 5 anos.
A família, que actualmente vive na casa que comprou em Gagny, a Leste de Paris, já decidiu: vai ficar pelos dois filhos. E, mesmo assim, já é uma ginástica. “Saímos de casa às 7h30, eles ficam no ‘centre de loisir’, às 8h15 vão para a escola, depois almoçam na cantina; à tarde, depois das aulas, ficam no ‘centre de loisir’ até às 18h ou 18h30. Para o Gabriel, há o que se chama ‘les étude’, onde o ajudam a fazer os TPC. Todos os meses chega a factura da ‘mairie’. Bastaria trabalharmos os dois e termos o salário mínimo para pagarmos um pouco mais... em média pagamos 260 por mês, pelos dois.”
Hélder, o marido, gerente numa grande loja “tipo AKI”, organizou a sua vida para estar o mais presente possível: pediu para trabalhar aos sábados, e ficar com as quartas-feiras livres. Em França era regra que as crianças da primária não tinham aulas às quartas-feiras — só em 2013, por indicação do Governo, as escolas públicas começaram a abandonar o modelo da “semana de quatro dias”.
E o crescimento económico?
Creches, amas, serviços, subsídios... A pergunta, uma vez mais: de que forma pode França inspirar Portugal a resolver um dos seus problemas mais estruturais? As famílias com quem falámos deixaram várias pistas. Joaquim Azevedo, professor da Universidade Católica Portuguesa, coordenador em Portugal do relatório para o PSD sobre políticas de família, apresentado no ano passado, acrescenta outra ideia: “A política empresarial em França é de grande suporte aos filhos dos seus trabalhadores, também poderíamos aprender alguma coisa com isso!”
Recentemente, a ONG Movimento Mundial de Mães enumerava, num comunicado, alguns exemplos, caso da Ferrero, da Total e da L’Oreal que têm, ou estão a desenvolver, centros de dia inter-empresas para os filhos dos trabalhadores. Outras, como a empresa de Solen, pagam às mães que não têm direito a 100% do salário quando estão de licença de maternidade, um complemento para que não fiquem a perder. Muitas, caso da empresa de Hélder, pagam dias-extra aos pais homens...
Há outras questões a ter em conta nesta equação. “A relação entre crescimento económico e o nível de fecundidade, um pouco como se o crescimento económico aumentasse a moral dos agregados familiares e suportasse o seu desejo de ter filhos”, diz Claude Martin que, recentemente, publicou o livro Être un bon parent. Une injonction contemporaine. Este argumento é, contudo, “relativamente fraco”, na sua opinião, porque os franceses são conhecidos pelo seu pessimismo.
Já Pedro Vaz sublinha duas ideias: “Em França trabalha-se 35 horas por semana. As pessoas poderem sair às 17h para irem buscar os filhos e estar com eles é um grande incentivo.” Depois, há a “école maternalle” — “As pessoas têm-na para deixar os filhos. A école maternalle é, para mim, a razão principal para a França nunca ter baixado muito a natalidade”.
E Portugal? Durante os anos de 1990, até se manteve com índices de fecundidade superiores aos de outros países do Sul, como a Itália, a Espanha, a Grécia, sublinha Claude Martin. “Mas desceu depois. O impacto da crise económica desde 2008, a dificuldade de recuperar; a redução do processo de investimento em políticas de família, depois de ter havido um período em que tinha havido importantes investimentos; uma nova geração de mulheres que espera ter melhores garantias, em particular em termos de emprego, antes de aceitar ter o primeiro filho” — tudo isso ajudará a perceber o que se passou.
Um dos “grandes desafios” dos portugueses, sublinha o francês, “é manter uma política destinada à conciliação do trabalho e dos cuidados (às crianças e aos pais idosos)”. Afinal, quando se pergunta às mulheres europeias quantos filhos desejam ter, não há grandes diferenças entre países: dois, três. A diferença está mesmo na forma como se concretiza essa vontade.
O conselho de Martin é, de resto, idêntico ao que a OCDE deixava já em 2011: “O investimento em serviços para os primeiros anos das crianças é essencial para que as famílias floresçam, para a sustentabilidade futura do Estado social e para o crescimento económico.”
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