Milanka Opacic, 47 anos, é uma figura controversa no agitado mundo político de Zagreb. De origem sérvia, mãe solteira de uma filha adoptada, num país católico e fervorosamente nacionalista, esta licenciada em Ciência Política é a terceira figura na hierarquia de um Governo de coligação de centro-esquerda, com a pasta das Políticas Sociais e da Juventude. Foi dela que partiu a ideia de anular as dívidas pessoais (à banca, empresas de telecomunicações e serviços) dos cidadãos mais pobres que devessem até cinco mil euros e, por isso, tivessem as contas penhoradas. Esta lei, que a imprensa internacional considerou pioneira e quase utópica, foi uma medida “excepcional” e irrepetível, que esteve em vigor até à semana passada. Um dia antes de terminar o prazo para que os cidadãos croatas se pudessem candidatar a este perdão de dívidas, o PÚBLICO entrevistou a ministra no seu gabinete, em Zagreb.
Que aspectos positivos salienta deste perdão de dívidas?
O principal é que esta anulação voluntária de dívidas resultou de um acordo entre os credores e os devedores. Foram as companhias de telecomunicações, a banca, as empresas municipais e estatais que chegaram à conclusão de que esta era uma medida útil. Estiveram de acordo sobre tudo: os critérios, o alcance. Foi um grande passo para a Croácia. Mostrou como todos podem mostrar responsabilidade social e interesse pela comunidade.
Que argumentos usaram com os credores?
Dissemos que isto era também culpa deles. Eles estavam a providenciar serviços a pessoas, ao longo de anos, sem que as pessoas tivessem rendimentos para pagar. Isto não é socialmente responsável. Além de que estas empresas estavam a contratar notários, advogados, solicitadores, para cobrar pequenos montantes, cujos honorários acresciam à dívida das pessoas. Às vezes só esse valor era cinco vezes maior do que a própria dívida... Estamos com os tribunais entupidos por coisas destas. E isto não é bom. Temos de pôr tudo a zeros. Equilibrar. Dar uma hipótese de novo começo.
Porque avançaram com esta medida? O sobre-endividamento afecta a economia no seu todo?
Temos quase 350 mil pessoas penhoradas, os mais pobres dos quais foram atingidos por esta medida. Em Janeiro vamos aprovar uma lei sobre falências pessoais. Em 2008, 2009 e 2010, houve muitos cidadãos que se endividaram, ou assumiram compromissos contratuais. O mercado imobiliário caiu. A maioria dos croatas comprou casa própria e por isso não podem reequilibrar o seu nível de vida face aos seus rendimentos actuais. Ainda não dispomos de uma lei sobre falências pessoais. Quando tivermos, será uma lei baseada nas directivas comunitárias, mas será uma lei que saldará as dívidas, mas elas terão de ser pagas na totalidade. Só que com condições mais favoráveis. Graças às estatísticas, percebemos que a grande maioria das dívidas era relativa a pequenos montantes, abaixo de 300 euros. E estavam a ser penhorados por isso. Não estamos a falar de grandes somas. São pessoas que não conseguem suportar pequenas dívidas. Isto tem um efeito psicológico tremendo. E um custo económico também. Não vale a pena termos um processo de falência pessoal para resolver uma dívida de 300 euros. Este é o ministério das políticas sociais...
E como chegaram ao valor de cerca de cinco mil euros?
Foi preciso encontrar um equilíbrio. Sabíamos que com esse valor chegaríamos a cerca de 60 mil pessoas. Se o valor subisse mil euros seriam 80 mil. E aí, as empresas credoras não teriam autonomia para decidir, uma vez que são quase todas multinacionais. Teriam de contactar as sedes, em Portugal (risos), mas sobretudo na Alemanha e na Áustria para aprovar. Eles precisavam de ter noção de qual o limite máximo de perdas a que estariam expostos, antes de entrarem neste acordo.
Esta medida pode ter continuação? Estão abertos a pensar noutros perdões de dívidas?
O Governo vai aprovar a anulação das dívidas da taxa de TV, que beneficiará mais de 10 mil pessoas [depois desta entrevista, a medida foi entretanto aprovada, no passado dia 31 de Julho]. Mas um dos requisitos fundamentais era que uma medida deste género teria de ser única e excepcional. Tanto da parte do Governo, como da parte dos credores. De outra forma, isto provocaria um risco moral. Se se soubesse que isto seria feito outra vez no próximo ano, não faria sentido.
De que forma é que esta medida provou ser boa, do ponto de vista económico?
Vou recuar um pouco. Quando chegámos ao Governo, há três anos e meio, a nossa primeira medida foi libertar as empresas das suas dívidas, através de um perdão fiscal. Herdámos uma situação em que o Governo anterior foi acumulando problemas na economia, ao longo de oito anos, e por isso não tivemos escolha. Foi preciso começar pelas empresas. Agora estamos a tentar resolver os problemas dos cidadãos. Em resultado disso, nos últimos três anos, a economia está a recuperar. As pessoas que ficam libertas das dívidas podem voltar a pensar em poupar, consumir. Temos agora, graças a esta medida, mais gente com mais rendimentos disponíveis. Mas isto não quer dizer que nós queremos que as pessoas se voltem a endividar. E muito menos que o façam a pensar que daqui por algum tempo vai surgir, de novo, um perdão de dívidas. Isso aconteceu agora e ponto final.
Têm recebido contactos de outros países ou das instituições europeias para conhecer esta vossa experiência?
Sim, sim. Muitas instituições têm entrado em contacto connosco para perceber como tudo funcionou. Claro que cada país tem uma situação própria e é preciso adaptar. Até agora, tanto quanto sei, a Eslovénia foi o país que avançou com uma proposta semelhante, que está neste momento à espera de aprovação parlamentar. Se queremos ajudar a economia a recuperar e os cidadãos a não ficar para trás, então esta medida justifica-se tanto do ponto de vista político como social. Durante anos as pessoas trabalharam e construíram as suas vidas, mas depois a crise chegou e os empregos desapareceram. Esta transição económica tem sido dura, com muitos empregos perdidos, muitas más privatizações. São medidas destas que podem ajudar quer a economia quer as pessoas, e justificam-se em todos os países que vivem a mesma situação. É claro que houve também muita iliteracia financeira. Estamos também a negociar com os bancos uma forma de ajudar as pessoas endividadas a reestruturar as suas dívidas. Estamos a falar de moratórias, por exemplo, para quem perdeu o seu emprego. Como está, é fácil para os bancos, que ficam com a casa e vendem o recheio penhorado. As pessoas ficam a viver na rua e deixam de ser um problema para o banco, mas são um problema para o Estado.
Comentários