O ano vivido por Jerónimo Lopes: A fuga da crise

É entre as queixas de credores cada vez mais impacientes e os apelos de antigos funcionários que tentam recuperar o emprego perdido que Jerónimo Lopes tem de encontrar tempo para aquela que é uma das tarefas mais importantes do seu trabalho: convencer os bancos a emprestarem-lhe mais dinheiro. Tem sido assim para o director geral da Pluricoop desde 2008, o ano em que a cooperativa de consumo começou a sentir os impactos da crise financeira internacional.

E foi assim em 2014, apesar de sinais de melhoria. “Foi um ano difícil, com muito trabalho. Gerir uma máquina de 19 lojas, que vem de uma insolvência, com tantos erros do passado para corrigir e ainda tentar ao mesmo tempo garantir financiamento tem sido muito difícil”, afirma o gestor desta cooperativa de consumo nascida em 1990.

As preocupações de Jerónimo Lopes e dos seus colegas Pluricoop começaram quando, no rescaldo da falência do Lehman Brothers nos Estados Unidos em 2008, os bancos e as seguradoras de crédito portuguesas apertaram a malha dos empréstimos e das garantias que ofereciam. A cooperativa, que na altura contava com 32 lojas e cerca de 300 empregados, deixou de conseguir comprar produtos aos seus fornecedores. “E sem produtos nas prateleiras não há vendas”, afirma Jerónimo Lopes.

A partir daí até ao colapso foi tudo muito rápido. Em 2010, a Pluricoop ainda conseguiu um último empréstimo das instituições financeiras mas as restrições eram tantas que o financiamento não conseguiu cumprir o seu objectivo principal que era o de garantir a total reposição de mercadorias. E em Maio de 2011, a abertura de um processo de insolvência tornou-se inevitável.

Passado um ano e um mês, depois de duras negociações com os bancos que financiavam a cooperativa, regressou a esperança. Chegou-se a um plano de viabilização da empresa que foi aprovado em assembleia de credores, onde estava prevista a concessão de crédito de 2,65 milhões de euros à Pluricoop pelos três bancos que mais trabalhavam com a cooperativa: a Caixa Crédito Agrícola, o Montepio Geral e a Caixa Geral de Depósitos.

Mas rapidamente se percebeu que a passagem à prática do plano não iria ser fácil. A começar pela concretização dos empréstimos acordados. “Com a CGD, o processo foi muito complicado. Tínhamos dívidas de 600 mil euros, mas a esse crédito estavam associadas garantias no valor de três milhões de euros. Por isso esperávamos que pudessem contribuir mais com financiamento. A verdade é que acabaram por aceitar emprestar apenas 332 mil euros”, afirma Jerónimo Lopes.

Esta relutância da CGD em emprestar mais dinheiro e de aceitar como boas as garantias apresentadas pela cooperativa foi um primeiro sinal daquilo que tem vindo a ser a dificuldade da Pluricoop em concretizar a sua total recuperação.

“Tem sido tudo muito mais lento e difícil do que aquilo que estava inicialmente planeado”, diz Jerónimo Lopes.

Até agora foram reabertas 19 lojas das 32 anteriormente existentes. E voltaram ao trabalho 106 dos antigos 300 trabalhadores. Esperava-se que com o financiamento de 2,65 milhões previsto no plano de recuperação se poderia ir mais longe.

No entanto, conta, não só a reabertura de lojas saiu mais cara do que o previsto como o dinheiro acordado com os bancos tem demorado mais tempo a chegar. As instituições financeiras, pressionadas elas próprias para melhorar os seus balanços e reduzirem o nível de risco a que estão expostas foram muito exigentes na hora de aceitar as garantias que eram entregues pela Pluricoop para receber os novos empréstimos. Como explica Jerónimo Lopes, o problema tem estado “nas exigências dos bancos ao nível da conformidade das garantias a apresentar”.

O resultado: o financiamento dos bancos foi chegando com atraso, ficando a Pluricoop sem possibilidade de reabrir tantas lojas como queria, empregando menos pessoas e deixando ainda muitos dos seus fornecedores sem receberem. “Não menosprezamos as dificuldades dos nossos credores, mas a situação mais complicada é a dos trabalhadores”, diz Jerónimo Lopes, que acredita que o modelo de negócio dos supermercados da Pluricoop, mais próximos do cliente, é viável e tem vantagens em relação às grandes cadeias.

Um problema europeu

O problema da Pluricoop com o acesso ao crédito é apenas mais um caso entre muitos do mesmo género vividos no tecido empresarial português, especialmente ao nível das Pequenas e Médias Empresas (PME) desde o início da crise financeira internacional.

As empresas portuguesas foram apanhadas por essa crise – e depois pela crise da dívida soberana europeia – com níveis médios de endividamento muito elevados, que as colocou numa situação muito frágil perante um cenário em que os bancos deixaram de querer e poder emprestar mais dinheiro.

As empresas pouco viáveis deixaram de poder viver à custa de crédito fácil e muitas empresas viáveis viram a sua existência colocada em causa.

Do lado das autoridades, especialmente as europeias, 2014 foi um ano em que diversas medidas foram aplicadas para tentar abrir de novo a torneira do crédito. O Banco Central Europeu (BCE) intensificou a sua luta contra aquilo a que chama “fragmentação do mercado de crédito”, isto é, contra a tendência para que empresas semelhantes situadas em diferentes países da zona euro não tenham acesso ao crédito de uma forma idêntica. Com a crise da dívida soberana, as PME gregas, espanholas ou portuguesas passaram a ter muito mais dificuldades do que as alemãs para conseguir um empréstimo. E quando o conseguem, têm de pagar taxas mais altas.

Para contrariar isso, o BCE colocou as taxas de juro a que empresta dinheiro aos bancos praticamente a zero, passou a aplicar taxas negativas nos depósitos que os bancos fazem no BCE para os incentivar a emprestar às empresas, voltou a oferecer empréstimos de longo prazo às instituições financeiras e começou a comprar créditos titularizados, especialmente os concedidos às PME.

Apesar de a situação ter melhorado, são claras as diferenças que subsistem entre as empresas de diversos países na capacidade para aceder ao crédito. Um inquérito realizado em Setembro diz que das empresas portuguesas que se candidataram a um empréstimo, 55,2% conseguiram todo o dinheiro que pretendiam. Este valor compara favoravelmente com 43% da primeira metade de 2012, mas fica ainda muito abaixo dos 70,8% registados na Alemanha.

“Há um ambiente melhor nos bancos agora, mas não estamos de volta ao que acontecia no passado, de maneira nenhuma”, afirma Jerónimo Lopes.

Mas nem todas as empresas têm queixas da banca. A empresa de brinquedos científicos Science4you nasceu já com a crise instalada em Portugal e mesmo assim conseguiu o financiamento de que precisava através de capital de risco e da banca. E a situação agora está ainda melhor. “Já voltámos a spreads em torno de 2,5%, quando antes chegavam aos 4,5%”, explica Miguel Pina Martins, o CEO da empresa.

Uma das grandes diferenças é que a Science4you tem uma característica que os bancos procuram quando têm de decidir se emprestam ou não a uma empresa: a aposta na internacionalização. “Os bancos preferem quem aposta nos mercados externos, já que não ficam tão dependentes da forma como evolui a economia portuguesa”, afirma o gestor.

Na Pluricoop, o que acontece é precisamente o contrário. As vendas nas lojas da cooperativa estão intimamente ligadas à forma como evoluir a capacidade de consumo das famílias portuguesas. E as expectativas, mesmo as mais optimistas, são de uma retoma lenta.

É por isso, portanto, de esperar que a banca decida arriscar mais um pouco. “Gostava que o bancos olhassem para as garantias que apresentamos com mais flexibilidade”, diz Jerónimo Lopes. O ano de 2015 arrisca-se a ser, mais um a esperar por boas notícias da banca.

Um plano para empresas em dificuldades

As empresas em dificuldades financeiras viram ser aprovado este ano um plano que poderá tornar mais fácil e célere a recuperação de negócios viáveis, depois de as insolvências terem iniciado uma escalada que resultou em quase seis mil processos em 2013. A maioria das medidas só entrará em vigor em 2015, mas uma parte da estratégia já foi aprovada pelo Governo.

Este plano, que foi acordado com a troika, após sucessivos alertas sobre o excessivo endividamento das empresas em Portugal e sobre a necessidade de reformular os instrumentos de recuperação, inclui 11 medidas. Uma das mais importantes passa pela criação de um sistema de alerta para identificar negócios em crise a tempo de os recuperar. Este instrumento, que será gerido pela Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua, ficará operacional já a 1 de Janeiro e terá na base indicadores como a estrutura da dívida, sendo atribuídas notações às empresas em função do risco.

Já este ano, uma das medidas ficou fechada com o alargamento do Fundo de Garantia Salarial a antigos e actuais funcionários de empresas em recuperação, que tendiam a chumbar os planos para verem ressarcidos os seus créditos. Outro ponto alcançado em 2014 foi o aumento de 5% para 10% nos montantes de dedução à colecta do IRC relativos aos lucros retidos que sejam reinvestidos, previsto no Código Fiscal do Investimento. E também a redução de três para um milhão de euros nas deduções que as empresas podem fazer na sequência de encargos com financiamento, inscrita no Código do IRC com o objectivo de reduzir os incentivos ao endividamento.

Em Dezembro, o Governo aprovou ainda alterações ao código das insolvências, mais especificamente ao Processo Especial de Revitalização, e ao Sistema de Recuperação de Empresas por via Extrajudicial para aumentar os casos de recuperação de empresas com dificuldades. Estes mecanismos alternativos à insolvência passarão a prever, por exemplo, que 50% dos credores autorizem planos de viabilização. Foi ainda aprovada uma revisão do Código das Sociedades Comerciais, para que as empresas encontrem financiamento para lá da banca, nomeadamente através da emissão de obrigações. E estão previstas ainda outras duas medidas: uma linha de financiamento para apoiar o fundo de maneio e um alargamento das competências do mediador do crédito.

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Jerónimo Lopes já conseguiu reabrir 19 lojas das 32 anteriormente existentes João Silva
O ano de 2015 arrisca-se a ser mais um a esperar por boas notícias da banca Rui Gaudêncio
A crise dos últimos seis anos lançou milhares de portugueses no desemprego Enric Vives-Rubio