O mistério do voo MH370 continua, mas a ciência avança

No fundo do oceano Índico deve estar sepultado o avião desaparecido da Malaysia Airlines. É uma das zonas menos conhecidas do planeta – que começa a ser estudada por causa do desastre.

O voo desapareceu a 8 de Março, com 239 pessoas a bordo MOHD RASFAN/AFP

O grande mistério não resolvido do ano é o que aconteceu ao voo MH370 da Malaysia Airlines. Mas se não estamos mais perto de saber o que se passou a bordo deste Boeing 777 que desapareceu dos céus em Março com 239 pessoas a bordo, pelo menos a busca está a permitir conhecer o fundo do oceano Índico Sul, cuja topografia é 250 vezes menos conhecida do que a superfície de Marte.

A comparação com o Planeta Vermelho é quase injusta: afinal, não há água em Marte a impedir a passagem das ondas de rádio e da luz. Para espreitar através da água é preciso usar instrumentos que se baseiam nas propriedades do som, como os sonares que estão a ser usados para fazer o reconhecimento dos fundos oceânicos na área do Índico identificada como prioritária para as buscas, graças aos cálculos da Inmarsat. A empresa de satélites britânica usou os últimos dados de comunicação do avião com um dos seus satélites geoestacionários para calcular o local onde a aeronave poderia ter caído.

Mas há de facto uma enorme parede de água para atravessar: na zona de busca alargada, as profundidades vão de 237 metros até um abismo de 7883, vestígios de uma complicada história geológica, de quando há 130 milhões de anos a Austrália, a Índia e a Antárctida se separaram, quando antes faziam parte de um mesmo continente, chamado Gonduana, explicam os cientistas Walter Smith e Karen Marks, da Agência Nacional para os Oceanos e a Atmosfera dos Estados Unidos, num artigo publicado na revista científica Eos Transactions em Maio.

Desde Setembro que o estudo do relevo do fundo do Índico na área considerada prioritária para as buscas – um rectângulo no mar de cerca de 60.000 km2 – está a ser feito por uma empresa holandesa, chamada Fugro, que ganhou um concurso para desempenhar esta tarefa durante um ano. Como termo de comparação, Portugal tem 92.212 km2.

Os navios Fugro Discovery e Fugro Equator juntaram-se a outro pago pelo Governo da Malásia, chamado GO Phoenix, para fazer o reconhecimento batimétrico do fundo do mar com sonares sofisticados.

Com sonares multifeixe, medem quanto tempo leva o som a viajar desde o barco até ao fundo e a regressar como eco. Devido à alta densidade de medições, este sonar permite a construção de modelos digitais do terreno do relevo submarino, produzindo imagens em que a cada cor corresponde um determinado parâmetro físico.

Já o sonar de varrimento lateral, que é normalmente rebocado junto ao fundo a partir de um navio, mede a forma como as ondas sonoras são reflectidas e, a partir daí, desenhar uma imagem. As zonas mais duras, como rochas, reflectem o som de uma maneira distinta da de áreas mais moles, como areia.

Procurar mais a Sul
Em Outubro, graças a novos cálculos feitos pela Inmarsat com base nos telefonemas feitos a partir de terra para pessoas que viajavam no voo MH370 (e não atendidos), a área prioritária foi deslocada para cerca de 800 km mais para Sul – mas sempre ao longo da fina linha do chamado sétimo arco, a cerca de 100 km de distância da costa Oeste da Austrália.

Este arco corresponde ao local onde o satélite da Inmarsat detectou o último sinal de presença enviado pelo avião – um “aperto de mão” na terminologia usada pelos técnicos – , mais de sete horas depois de ter partido de Kuala Lumpur. Nesta altura, a aeronave já estaria a ficar sem combustível, e estaria a perder altitude, pelo que é aqui que se estima que terá caído: a área do desastre concentra-se nesta linha imaginária, com um limite de 38 km a Oeste e 55 km a Leste.

Ao refinar a área prioritária, a Inmarsat sublinhava que a tentativa de reconstrução do trajecto do avião da Malaysia Airlines é difícil e sujeita a erros, e que poderá vir a ser revista de novo – algo que já tinha sido sublinhado pela Autoridade de Segurança nos Transportes Australiana (ATSB), que coordena as buscas.

Um outro esforço que está a ser feito neste momento para tentar descobrir vestígios do avião – até agora, nada foi detectado – é a concepção de um novo modelo de deriva dos eventuais escombros da queda. Inicialmente, pensou-se que pudessem vir a dar à costa na Indonésia, quatro meses depois do desaparecimento do avião. Mas isso não se confirmou. Tudo pode estar enterrado nas fundas fossas oceânicas, por exemplo.

“Neste momento, não sabemos onde poderão aparecer destroços. Algumas simulações já concluídas tinham previsto que alguns poderiam flutuar até à costa Sul de Samatra. Mas não há garantias de que da queda do avião resultariam destroços que conseguiriam ficar a flutuar tempo suficiente para chegar a terra ou que seriam reconhecíveis como pertencendo ao voo MH370”, explicam, por e-mail, os serviços de imprensa do Centro de Coordenação Conjunto (JAAC) das várias agências governamentais australianas envolvidas nas buscas do voo desaparecido da Malaysia Airlines.

O novo modelo de deriva em preparação poderia dar mais respostas. “Esperamos ter resultados em breve, mas é um processo muito complexo, que exige um grande número de cálculos de computador”, dizem os serviços australianos. “Mas é importante salientar que a ATSB não está à espera deste novo modelo de deriva para planear as buscas”, sublinham.

Conhecer o palheiro
Por agora, sem que se encontrem vestígios do avião, procura-se conhecer o relevo dos fundos marinhos, que naquela zona eram especialmente desconhecidos – as medições disponíveis cobriam apenas 5% da área, e muito poucas tinham sido feitas com sistemas de navegação acústicos modernos, diziam Walter Smith e Karen Marks. Os dados de altimetria mais modernos tinham sido obtidos por satélite – mas tinham uma resolução de 20 quilómetros, tornando impossível procurar um avião ou destroços.

Para procurar uma agulha num palheiro, procura-se agora conhecer o palheiro. “Neste momento está a ser feito o levantamento batimétrico e buscas submarinas. Já foram pesquisados mais de 9000 km2 dos fundos marinhos na área considerada prioritária”, explicam ainda por e-mail os serviços de imprensa do JAAC.

Enquanto se faz o reconhecimento do fundo do Índico, para tentar descobrir os destroços do avião, está-se a fazer ciência inédita. Fizeram-se descobertas geológicas impossíveis de detectar com os instrumentos dos poucos navios que tinham tentado cartografar as profundezas nas décadas de 1960 e 1970, e até mesmo invisíveis aos satélites em órbita.

“As novas descobertas incluem montes submarinos, que são restos de vulcões, dorsais oceânicas [cadeias de montanhas submersas com origem no afastamento das placas tectónicas] com 300 metros de altura e depressões que podem ter 1400 metros de profundidade, relativamente ao terreno circundante”, sumarizam os serviços de imprensa do centro coordenador das buscas australiano.

Uma área de interesse é a Broken Ridge, uma fronteira entre duas placas tectónicas que começaram a afastar-se entre há 100 e 20 milhões de anos, num processo semelhante ao da cordilheira submarina conhecida como a Dorsal Mesoatlântica – que se ergue à superfície em alguns locais, como a Islândia. O fundo oceânico em torno de Broken Ridge tem muitas das estruturas geológicas típicas das margens de placas que se estão a afastar, onde é comum haver vulcões – mas que ali estão extintos – e altas escarpas.

Algumas imagens desses fundos estão a ser colocadas online, mas não estão a ser publicados outros estudos nem análises detalhadas. Virão a ser publicadas para a comunidade científica? “Os dados recolhidos no decorrer do reconhecimento batimétrico serão tornados públicos em devido tempo pela [agência] Geoscience Australia.”

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