Entrevista

“É preciso revalorizar o mundo rural”

Director do conselho geral de desenvolvimento local de Puy-de-Dôme, em Auvergne, escritor, Bernard Farinelli lançou um livro em 2000 que foi uma espécie de “wake up call”: se não se fizesse nada, o mundo rural, tal como os franceses o conheciam, esfumar-se-ia na economia mundializada. Desde então, escreveu muitos outros livros sobre a vida no campo, incluindo dois guias para novos-rurais.

Qual é a mensagem fundamental destes livros que escreveu sobre o mundo rural?
Hoje, quando pensamos no futuro dizemos que não há perspectivas. O sistema económico explode por todos os lados. Eu defendo que é preciso voltar à economia de proximidade. Não é voltar ao tempo dos nossos avós, ao tempo da enxada, é ter uma vida mais simples, mas ao mesmo tempo moderna. Não oponho campo e cidade. Acho que não se pode ter um sem o outro. Clermont-Ferrand, por exemplo, tem um bom tamanho, relaciona-se bem com o campo.

Há muito gente em Paris que gostaria de se mudar para o campo. Tornou-se “chique” morar no campo?
A França foi durante muito tempo um país rural. Nos anos 60/70, passou a ser moderno morar na cidade. De 1990 a 2000 houve uma mediatização do campo. As pessoas perceberam que é bom morar no campo. Foi um período de consciencialização. A grande mudança aconteceu com a Internet. O trabalho à distância tornou-se possível. Toda a gente tem computador, telemóvel.

O que alimenta esta vontade?
Há um imaginário de perigo nas cidades. Eu chamo-lhe os grandes medos. As pessoas acham que as cidades são perigosas pela poluição, pelo excesso de gente, pelo anonimato, pela quantidade de estrangeiros. Até recentemente não era possível porque a tecnologia não permitia. Agora permite.

A crise também influencia?
A crise trouxe um novo medo. Há muita gente a dizer: “Atenção, o que está a acontecer na Grécia, pode chegar a França!”. E o campo surge como um refúgio. “Se vivermos no campo, podemos produzir o que comemos.” Mas não é só o medo. Há a busca de um modo alternativo de viver. As pessoas questionam a maneira como têm vivido. Há a percepção de que no campo se pode ter uma vida mais simples. E vai-se à procura de um modo simples, mas moderno.

Como é que se chega aí?
É preciso vender o mundo rural. É preciso revalorizar o mundo rural. É preciso dizer que outro mundo é possível lá. Temos de ser positivos. Podemos desenvolver a economia do futuro no mundo rural. Estou a falar na alimentação saudável, no ecoturismo, na criatividade associada às novas tecnologias. Podemos desmaterializar o trabalho. É a nova revolução. Isso também torna o mundo rural atraente.

O teletrabalho ainda é visto com muitas reservas em muitos lugares, pelo menos em Portugal…
O teletrabalho há-de ser bem visto. A poupança no gasto de combustível é importante. As empresas terão boas razões para desenvolver o teletrabalho, se, por exemplo, os seus resultados forem ligados ao esforço que fazem para proteger o ambiente. Mas a percepção é importante. É preciso mudar a percepção. Se a percepção é negativa, as pessoas não aderem. É preciso ver, por exemplo, se Portugal é muito tradicional na forma de pensar. Se for, pode estar a perder oportunidades. A medicina, por exemplo, já não tem de ser toda presencial. Há a telemedicina.

Em nome do forte declínio demográfico e da racionalização dos custos, por vezes invocando  eficácia, no Interior de Portugal têm fechado escolas, postos de correios, tribunais, centros de saúde, núcleos de segurança social… Quando se fala no Interior de Portugal fala-se numa população envelhecida e muitas vezes pouco escolarizada, pouco familiarizada com computadores e internet…
Sem querer ser provocador, se o país se fixar nessa imagem não vai encontrar solução. Se um território fecha serviços, não tem trabalho, não tem nada, o que pode fazer? Nalgum momento tem de se ser optimista e de se tentar fazer algo acontecer. Se as pessoas têm muita idade, não estão familiarizadas com internet, pode-se, por exemplo, criar serviços para as apoiar nisso. As organizações, as câmaras, as juntas podem ter isso. É preciso ter vontade. E é preciso ser positivo.

Quando um território quer repovoar-se, por onde deve começar?
Não há receitas, mas não se pode pensar que se vai atrair empresas e que elas vão criar emprego e que está tudo resolvido. Não funciona assim. Tem de se atrair empresas e trabalhadores ao mesmo tempo. O ideal é atrair pessoas que criam o seu próprio emprego, mas nem todas podem, ou querem, fazer isso. É preciso ter políticas públicas para manter as pessoas que estão e para atrair outras. O que a Agência Regional de Desenvolvimento dos Territórios de Auvergne está a fazer é importante, mas também é importante que comunique os resultados – para mostrar que é possível.

Olhando para o que tem sido feito em Auvergne, o que lhe parece mais e menos eficaz?
O mais difícil é articular os diferentes níveis de estruturas públicas. Há a região, os departamentos, as comunas. Mesmo quando têm a mesma cor política, há problemas. Isto é algo que ainda não funciona suficientemente bem, que tem de ser muito melhorado. Uma coisa interessante é a possibilidade de imersão no local, as chamadas “residências de empresários”. As pessoas podem desenvolver a ideia que têm em Auvergne, não têm de o fazer em Paris ou noutro sítio qualquer.

O que é que uma pessoa deve perguntar-se na hora de decidir mudar-se ou não para o campo?
Cada um tem a sua personalidade. Eu gosto ou não de montanha, de proximidade urbana, de ter poucas pessoas à volta? Cada um deve procurar um lugar adequado à sua personalidade e à da sua família. Acho que a pessoa também tem de se perguntar: eu sou forte o suficiente para mudar de vida? Não são os mesmos amigos, as mesmas práticas, as mesmas referências. É difícil.

O que pode facilitar a integração nas comunidades locais?
A escola ainda é uma forma de misturar as pessoas. Se vai morar para uma aldeia, deve pôr a criança na escola de lá. Alguns mantêm as crianças na cidade e isso não ajuda no processo de integração. Também é bom fazer parte das associações locais – a associação de bombeiros voluntários, qualquer coisa. Os eleitos locais devem ajudar as pessoas a participar.

O que nunca deve fazer um novo-rural?
O mais importante é mostrar que respeita os vizinhos, os seus costumes. Não é superior por ter uma rica história urbana (ensino superior, dinheiro, cultura e por adiante). Todas as histórias são respeitáveis. O pior que pode acontecer é a pessoa ser pretensiosa, criticar, pôr-se de lado. Mudar-se para o campo pode ser um assunto, mas mudar-se para uma cidade também é. Também pode ser difícil chegar a uma cidade nova e não conhecer ninguém.