As políticas que governam o cinema e a excepção cultural em França são habitualmente vistas como um sistema “proteccionista”, no sentido pejorativo que normalmente se atribui a essa palavra. Mas a França é o país que tem mais filmes do mundo inteiro nas suas salas de cinema. “O maior inimigo da globalização são os Estados Unidos, porque praticamente não se pode ver filmes que não sejam americanos no seu território. Juntamente com a Coreia do Norte, é o país mais proteccionista do planeta”, nota Jean-Michel Frodon, ex-crítico de cinema do Le Monde, director da revista Cahiers du Cinéma entre 2003 e 2009. Actualmente, escreve sobre cinema na Slate.fr.
O sistema de cinema francês tem o mérito de conseguir bons resultados económicos conservando ao mesmo tempo a sua reputação artística. Sem o sucesso económico, não seria mais dificilmente defensável?
O que disse é bastante lógico, aparentemente. Mas na época em que Jack Lang foi ministro da Cultura [1981-86 e 1988-1993], a situação económica do cinema era bastante negativa. A frequência das salas de cinema entrou em declínio, e tornou-se mais difícil conseguir dinheiro para o cinema. E no entanto foi o período mais dinâmico em termos de criação de novos mecanismos. Existe uma longa tradição em França de defesa da cultura pelo Estado. Um fenómeno interessante é que esse debate ultrapassa a oposição direita-esquerda. Até ao momento, tanto os governos de direita quanto os de esquerda consideraram que era responsabilidade do Estado e uma coisa positiva para o país defender a sua cultura com todos os meios à sua disposição. O primeiro artesão dessa ideia foi o escritor André Malraux, ministro da Cultura do General De Gaulle. Que, no interior desse governo de direita, pôs em prática uma política que em quase todo o mundo seria considerada de esquerda. Temos uma história longa. As negociações internacionais do GATT [no qual a França invoca a sua “excepção cultural” para excluir as indústrias audiovisuais do acordo de comércio livre] começam com um ministro da Cultura de esquerda [Lang] e continuam com um ministro da Cultura de direita [Jacques Toubon] e isso não altera nada nas negociações. Há um consenso profundo. Se um dia a situação económica for má, penso que se dirá que é preciso ajudar ainda mais o cinema. O cinema conquistou uma espécie de classe no mundo das artes e da cultura, a par da literatura, da música, do teatro. Considera-se que mesmo que não tenha um sucesso económico enorme, é importante, faz parte da identidade nacional, faz parte do projecto civilizacional da França. Pelo menos até agora tem sido assim.
Em França o cinema comercial e o cinema de autor, mais artístico, parecem coexistir sem se diabolizar mutuamente. Como se, de certa forma, precisassem um do outro para existir.
É verdade. Claro que há tensões. Mas existe uma noção generalizada de que o cinema, em termos daquilo que é o interesse comum, de parte a parte, conta mais do que as diferenças, por mais reais que sejam, entre um certo tipo de filmes e outro tipo de filmes. E isso também é um trabalho da política, e do Centre National du Cinéma em particular, de sustentar ao mesmo tempo a indústria do cinema através de apoios automáticos [baseados em critérios quantitativos], e o cinema de autor através de apoios selectivos [baseados em critérios qualitativos]. São dois tipos de financiamento pilotados pelo mesmo organismo, o CNC, que permitem solidarizar o cinema no seu conjunto e simultaneamente ter em conta aquilo que é particular.
Porque é que em França as salas de cinema continuam a ser tão populares?
É uma história longa de relação dos franceses com o cinema, que começa com os irmãos Lumière, com Mèliés. Outra história longa, um pouco diferente: os políticos, o poder público, interessaram-se pelo cinema desde muito cedo. Desde a década de 1920 que o cinema é visto em França como uma espécie de recurso de interesse nacional. No início da década de 1990 um homem de negócios italiano quis comprar uma das maiores companhias de cinema francesas, a Pathé. Esse homem veio depois a revelar-se um gangster, mas mesmo que não fosse um gangster, o Governo francês teria recusado. As grandes empresas do cinema francês não são para vender a um estrangeiro, da mesma forma que a companhia de electricidade francesa não será vendida a um estrangeiro, apesar das muitas ofertas. Resumindo: os recursos nacionais estratégicos não podem ser vendidos.
O “risco” dessa lógica é serem acusados de terem “uma agenda anti-globalização”. Foi o que o ex-presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, disse sobre o veto francês à livre circulação de obras cinematográficas e audiovisuais como parte do Acordo Transatlântico de Comércio e Investimento em 2013.
Há duas ideias sobre a globalização que, na verdade, se opõem. Uma ideia que consiste em dizer: o mais forte ganha e destrói todos os outros – e no caso do cinema, sabemos bem de quem se trata; e uma ideia contrária, da globalização enquanto diversidade. A França é campeã em termos de globalização do cinema, pois é o país onde se mostram mais filmes do mundo inteiro. E o maior inimigo dessa globalização são os Estados Unidos, porque praticamente não se pode ver filmes que não sejam americanos no seu território. Juntamente com a Coreia do Norte, é o país mais proteccionista do planeta.
A sala de cinema não é uma coisa do passado?
Não. Para haver cinema é preciso haver salas de cinema. Não quer dizer que só se possam ver filmes nos cinemas. Vejo muitos filmes em DVD e no computador, como toda a gente. Mas o que faz com que certos produtos audiovisuais sejam obras de cinema e muitos outros não sejam é serem concebidos para a sala de cinema – isto é, para um grande ecrã, para a obscuridade, para uma visão colectiva, para tudo o que constitui a singularidade da experiência do cinema. Há um país que tentou ter cinema sem ter salas de cinema e que está à beira do fracasso: Marrocos tem imenso dinheiro para a criação e produção de filmes. O rei de Marrocos quis que o seu país produzisse um grande cinema. Mas não se ocuparam das salas e elas fecharam.
Comentários