Função pública sob pressão com saída forçada de trabalhadores

Até aqui o Governo apostou nas saídas voluntárias. Em 2015, a aposta é na requalificação. Adivinha-se uma guerra que será decidida pelos tribunais.

Sindicatos têm-se mobilizado contra os processos de requalificação Regina Coelho

Com o alívio dos cortes salariais, a necessidade de controlar as despesas com pessoal através da redução de trabalhadores vai-se acentuar este ano. E se em 2014 o Governo apostou nas saídas voluntárias, através dos programas de rescisões amigáveis, 2015 ficará marcado pelas saídas forçadas, através do chamado processo de requalificação que, em alguns casos, poderá culminar num despedimento.

O primeiro grande processo de requalificação (a antiga mobilidade especial) iniciou-se ainda em Novembro no Instituto de Segurança Social (ISS), que pretende dispensar perto de 700 trabalhadores. Outros se seguirão. O Ministério do Ambiente já anunciou que pretende enviar uma centena de pessoas para a mobilidade especial e na Economia há 150 trabalhadores das extintas direcções-regionais que correm um risco semelhante.

Ao todo, a Comissão Europeia diz que o objectivo é colocar em inactividade 12 mil funcionários públicos através da requalificação. Um número que o Governo diz ser indicativo e resultado também das aposentações e das rescisões por acordo. Seja qual for o objectivo, os próximos meses avizinham-se turbulentos para quem trabalha no Estado.

A julgar pelo processo que está a decorrer na Segurança Social, a saída forçada de trabalhadores para a requalificação abrirá uma frente de batalha entre Governo e sindicatos, que será decidida na barra dos tribunais. Várias providências cautelares para tentar travar o processo que visa dispensar centenas de assistentes operacionais, docentes e técnicos do ISS estão já a correr nos tribunais e outras se seguirão.

As listas dos trabalhadores a dispensar foram publicadas na semana passada e tanto os sindicatos da CGTP como os da UGT estão a avaliar se há matéria suficiente para avançarem com novos processos em tribunal, paralelos aos que já estão em curso. As experiências do passado, nomeadamente no Ministério da Agricultura (que em 2007 colocou três mil trabalhadores na então chamada mobilidade especial), mostram que as decisões dos tribunais podem chegar muitos anos depois, mas têm sido favoráveis aos trabalhadores.

O governo tem insistido que não estão em causa despedimentos em massa na função pública, mas em alguns casos, a requalificação é uma antecâmara de um despedimento. Os trabalhadores sujeitos ao processo ficam a receber 60% do salário no primeiro ano e são sujeito a um programa de requalificação, para serem integrados noutros serviços. Passado este tempo e se não houver lugar para eles noutras áreas, o desfecho depende do tipo de vínculo. Os trabalhadores nomeados (em regra os que desempenham funções de soberania) e os que até 2009 tinham este estatuto e passaram para o regime do contrato de trabalho em funções públicas podem ficar em casa até à idade da reforma, a receber 40% do vencimento. Já os trabalhadores que sempre estiveram a contrato (mesmo por tempo indeterminado) serão despedidos ao fim de um ano, com direito a uma compensação. No ISS, os sindicatos alertam que há quem corra o risco de ser despedido ao fim de um ano.

Entre Dezembro de 2011 e Setembro de 2014, o número de trabalhadores das administrações públicas reduziu-se em 11,5% (menos 79.879 pessoas), sobretudo à custa das aposentações, saídas voluntárias e da não renovação de contratos a termo. E em termos anuais, as taxas de redução superaram sempre o objectivo de 2% previsto no memorando assinado com a troika. Mas numa lógica de manter a redução das despesas com pessoal, o reforço das saídas é a forma encontrada pelo Governo para compensar o progressivo fim das medidas temporárias.

Salários com corte menor
Na prática, a necessidade de reforçar as saídas é, de certa forma, o outro lado da moeda do alívio nos cortes salariais. Parte do problema vem já de 2014, quando o Governo foi obrigado a recuar e a suspender os cortes que afectavam os salários acima de 675 euros, na sequência de um acórdão do Tribunal Constitucional. Em 2015, embora os salários brutos acima de 1500 euros continuem sujeitos a uma redução, ela será menor, uma vez que a partir de Janeiro os cortes serão reduzidos em 20%.

Suplementos são incógnita
Também os programados cortes e reformulações dos suplementos são neste momento uma incógnita. O diploma que estabelecia os critérios base para a reformulação dos complementos salariais pagos aos funcionários da administração directa do Estado já esteve em Belém para ser promulgado, mas Cavaco Silva teve dúvidas e o executivo acabou por pedir a sua devolução. O Governo já disse por diversas vezes que o objectivo da revisão dos suplementos não é poupar, mas também admitiu que em alguns casos, quando não se justificarem, esses acréscimos remuneratórios poderão desaparecer. Os suplementos custam 700 milhões de euros por ano.

Impasse nas 35 horas mantém-se
O aumento do horário de trabalho para as 40 horas semanais (em 2013) foi outra forma encontrada pelo Govenro para aliviar a factura salarial com horas extra e colmatar as saídas de pessoal. Mas nas autarquias mantém-se o impasse em torno da semana de 35 horas . O problema arrastou-se por todo o ano de 2014 e ameaça prolongar-se por muitos meses. A solução mais imediata está nas mãos do secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins. A última tomada de posição do Governo foi para avisar as câmaras que mantiveram a semana de 35 horas de que estavam a violar a Lei e para lhes dar conta de que as mais de três centenas de acordos colectivos que mantém as 35 horas (em vez das 40 previstas na lei) terão de ser renegociados com a presença do Governo.

Mas a questão é mais profunda e está agora nas mãos do Tribunal Constitucional. Os juízes terão de analisar um pedido de fiscalização feito pelo Provedor de Justiça, que entende estar a ser posta em causa a autonomia do poder local.

ADSE e pensões mudam de tutela
O subsistema de saúde dos funcionários públicos (conhecido como ADSE) deixará de estar sob a alçada do Ministério das Finanças e passará para as mãos do ministro da Saúde. Paulo Macedo já garantiu que o sistema manterá a sua independência, mas os sindicatos não escondem alguns receios de que a ADSE venha a perder algumas das suas vantagens.

Este é também o ano em que a ADSE passa a ser financiada em exclusivo pelos descontos dos seus beneficiários. A taxa passou de 2,5% para 3,5% do salário ainda no ano passado, mas só em 2015 os organismos públicos deixam de descontar para o sistema.

A Caixa Geral de Aposentações, que gere as pensões dos funcionários públicos, também deixa de responder à tutela de Maria Luís Albuquerque. A gestão passa a ser supervisionada pelo Ministério da Segurança Social, responsável pelas pensões dos trabalhadores do sector privado.

Comentários

Os comentários a este artigo estão fechados. Saiba porquê.