Bolseiro, investigador INESC Porto, José Carlos Caldeira é desde Outubro de 2014 presidente da Agência Nacional de Inovação. A sua ligação à indústria é a marca de água da sua carreira no sistema científico nacional – “nasci no primeiro andar de uma metalomecânica”, diz. Membro da Manufuture, uma plataforma que discute e promove a indústria europeia, desde 2003, é considerado um dos mais profundos conhecedores do tecido industrial português.
Porque é que, ao contrário de muitos países europeus no mesmo estágio de desenvolvimento, Portugal não parou de se desindustrializar nos últimos 20 anos?
Nós tivemos várias circunstâncias que contribuíram para isso. Foi o resultado de apostas feitas a nível de abertura das fronteiras do espaço europeu à concorrência de outros países em que as barreiras alfandegárias para alguns sectores caíram mais depressa do que para outros e como Portugal tinha uma base industrial muito centrada nesses sectores abertos à concorrência sofreu mais do que outros. Depois, também ao longo dos anos houve de alguma forma um favorecimento a um conjunto de actividades de produção de bens não transaccionáveis e os investidores seguem as condições que são proporcionadas.
Uma das causas para o sucesso de algumas regiões do Leste da Europa, como na Baixa Silésia, foi a aposta em zonas económicas especiais, com benefícios fiscais, e também a definição e execução de políticas regionais para a indústria. Esse modelo poderá ser replicado em Portugal?
Uma política fiscal agressiva faz todo o sentido. Em termos da dimensão regional da política industrial, aí eu tenho dúvidas. Há uma questão que é clara, e isso traduz-se agora no Portugal 2020 [programa que gere os fundos europeus], que são as estratégias de especialização inteligente. Na estratégia de inovação, que é um pilar importante nos processos de reindustrialização, a dimensão regional é muito importante e não é por acaso que, neste novo ciclo, a Comissão Europeia exigiu como condição de acesso aos fundos comunitários que as regiões definissem estratégias que têm a ver com a dimensão da investigação, da inovação e do desenvolvimento numa dimensão regional.
A Comissão Europeia quer fazer renascer a indústria na Europa, fazendo com que o sector volte a representar 20% do PIB. Portugal tem condições para cumprir as metas europeias?
O Governo aprovou uma estratégia de reindustrialização que aponta para um peso do sector de 18% do PIB em 2020.
É uma meta exequível?
Penso que isso é possível se conseguirmos combinar o desenvolvimento dos sectores que temos com o aparecimento e desenvolvimento de novos sectores. Se nós apostarmos só numa destas fileiras, vamos ter muitas dificuldades. Mas podemos ter sucesso se conseguirmos pegar em muito do conhecimento tecnológico e científico que temos e, por exemplo, acelerar dinamizar a criação de novas empresas de base tecnológica, que venham a lançar novas actividades, novos negócios, muitas vezes em sinergia e em colaboração com os sectores mais tradicionais – por exemplo, os novos materiais têm interesse para a metalomecânica, para a cerâmica ou para o calçado. Acho por isso que estaremos perante um objectivo ambicioso, mas ao mesmo tempo um objectivo concretizável. Aliás, nos últimos anos a indústria tem respondido bem, tem aumentado as suas exportações, mesmo numa época de crise.
Mas o perfil dessas exportações é cada vez menos sustentado pelos produtos com baixa incorporação tecnológica. Como se explica esses dados?
Há aqui dois fenómenos. Uma coisa é saber se o produto é tecnológico ou não, outra coisa são os processos para os produzir. Muitos dos sectores mais maduros, que produzem bens que podem não ser classificados como tecnológicos, desenvolveram muito os seus processos produtivos, embeberam muita tecnologia nesses produtos e conseguem um maior valor acrescentado. Isso aconteceu na têxtil, no calçado, no mobiliário, etc… Depois temos produtos tecnológicos e aí assistimos a alguns desinvestimentos e a alguns encerramentos. Penso que no último ano essa tendência já se inverteu. O peso dos sectores de alta tecnologia nas exportações portuguesas tem vindo a decrescer, mas no entanto, essa redução do peso relativo resulta, não de um decréscimo da actividade desses sectores (cujas exportações têm vindo a aumentar), mas de um aumento superior dos restantes sectores, nomeadamente os mais maduros, que têm demonstrado uma resiliência assinalável. Entre 2009 e 2014, as exportações do segmento da alta tecnologia cresceram 5,3%, enquanto nos restantes o aumento foi de 9,1% no de média-alta tecnologia, de 11,4% no de média-baixa e de 7,4% no de baixa tecnologia
Um dos problemas que se cita sempre que se fala da indústria é o facto de Portugal produzir muita ciência, mas não ser capaz de a incorporar na economia. Porque é que isso acontece?
Nos últimos anos houve um aumento da capacidade da produção científica – temos vários indicadores que comparam bem a nível internacional. Mas nos indicadores de produção de inovação e de impacto económico já não estamos ao nível dos países mais desenvolvidos. No entanto, eu gosto de destacar que está a haver uma evolução muito interessante desses indicadores. Se compararmos os números do QREN [o quadro dos fundos comunitários que acabou em 2013] com o seu antecessor (QCA3) relativos ao instrumento do I&DT [investigação e desenvolvimento tecnológico] em co-promoção [entre empresas e universidades], verifica-se que o número de projectos foi multiplicado por quatro e o incentivo atribuído aumentou cinco vezes. Isso já está a ter consequências. No European Inovation Scoreboard [estudo que analisa a evolução da inovação na UE] já subimos uma posição, de 18.º para 17.º. E de 2013 para 2014, no relatório mundial da competitividade do Fórum Económico Mundial, Portugal subiu 15 posições, de 51.º para 36.º.
Portugal está a andar à mesma velocidade dos nossos competidores europeus.
É difícil falar na generalidade. Nalguns nichos estaremos a andar mais depressa, noutros talvez mais devagar. Mas a velocidade é sempre uma coisa relativa. Começa a haver oportunidades de desenvolvimento de novas tecnologias, de novas ferramentas na área industrial em que Portugal pode perfeitamente posicionar-se e tornar-se competitivo, assim como vamos assistir em algumas áreas à possibilidade de regresso das actividades de produção para junto dos mercados novamente. Isto é uma oportunidade para aquelas regiões que sofreram com a deslocalização, possam eventualmente recuperar actividades produtivas. O que foi um processo que levou a produção para fora da Europa, pode fazer regressar à Europa e a Portugal essas actividades de produção. Há aqui um mundo de desafios e de oportunidades para os quais temos de estar muito atentos.
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