Entrevista

“Há a percepção em todas as gerações de que o sistema de pensões está em risco”

Com o nível de desemprego que temos, há algum sistema sustentável?
Primeiro temos de perceber o que é que entendemos por sustentabilidade. Quando falamos da sustentabilidade financeira do nosso sistema de pensões estamos a falar da capacidade de o sistema assegurar, no longo prazo, da forma como hoje está desenhado, o pagamento de benefícios, neste caso de pensões, de acordo com o plano de benefícios que está em vigor.

Independentemente da situação económica?
O que nós podemos entender é que para assegurar essa sustentabilidade pode ser preciso introduzir no sistema um conjunto de mecanismos que se vão adaptando, por exemplo, à evolução da demografia e/ou da economia. E inclusivamente de outras variáveis. Mas há também a sustentabilidade social, mais conhecida como equidade intergeracional. Um sistema que não é financeiramente sustentável e que mostra não ser capaz de assegurar para as gerações futuras os benefícios que hoje estão em vigor e que estão a ser pagos às gerações actuais é um sistema que provoca iniquidade intergeracional. Porque significa que no futuro, se quiser satisfazer esses compromissos, terá que aumentar o esforço contributivo, ou aumentar os impostos, ou emitir dívida. Ao fazê-lo, está a provocar uma iniquidade no sistema.

Outra hipótese é ajustar o nível de benefícios à capacidade financeira. Mas, se fizer isso, de tempos a tempos, em função do dinheiro que tem para pagar, também gera iniquidade intergeracional. Não é possível ter um sistema que goze de confiança, se temos um sistema que gera iniquidades. E esse é o sistema que temos.

Há ainda um outro aspecto importantíssimo, que é o da adequação do rendimento na reforma. Até posso ter um sistema financeiramente sustentável e equitativo entre gerações, mas ter ao mesmo tempo um sistema que vai gerar rendimentos na reforma que não são adequados por serem demasiado baixos.

As reformas feitas não melhoraram a situação?
Houve reformas importantes, como a de 2007. Temos vindo a fazer várias reformas e mudanças no sistema de pensões, mas sobretudo de natureza paramétrica. São feitas de tempos a tempos e só produzem efeitos para as gerações futuras, tanto de pensionistas como para as gerações que estão a entrar no mercado de trabalho. Fomos acumulando classes de gerações com tratamentos distintos. Um sistema assente num plano de benefício definido, de uma forma subversiva, está a ser transformado num plano que não é de benefício definido, mas que também não é um plano de contribuição definida. É antes um sistema que paga benefícios em função das necessidades. As pessoas não acreditam, sobretudo as gerações mais novas, que esse sistema seja capaz de honrar os seus compromissos.

Essas gerações têm motivos para não acreditar?
Há uma história e um conjunto de acontecimentos que vieram reforçar a desconfiança, que eu acho que é legitima. Não são apenas as gerações mais novas que desconfiam. Também os próprios pensionistas. Há uma percepção por parte de todas as gerações de que o sistema de pensões está em risco. Os pensionistas vivem na incerteza das suas pensões. E as novas gerações vivem na incerteza, quase certeza, de que o sistema não vai ser capaz de honrar as promessas que hoje faz. Um sistema que perde a confiança dos seus participantes não tem futuro. Se eu não acredito no sistema, não quero estar nele, tento fugir.

Perante os dados demográficos e a situação económica, que reforma é que temos de fazer? É preciso fazer cortes nas pensões actuais?
Quanto mais nos atrasarmos, maiores serão as dificuldades em introduzir mudanças. Mas devemos ser capazes de honrar os compromissos que temos. Temos um contrato social. Devemos fazer aqui uma separação. Por um lado temos uma herança, temos pensões em pagamento e direitos de pensões em formação. Há que fazer a gestão dessa herança.

Com cortes às pensões actuais?
Eu não falaria em cortes. Temos de gerir a herança e a herança pode ser gerida de muitas formas. Por exemplo, os franceses também se viram a braços com um problema do mesmo género, e lançaram uma contribuição social intergeracional, para a qual concorrem praticamente todos os rendimentos do país, do capital, do trabalho, dos próprios pensionistas, e que é colectada para financiar o défice daquela herança. Portanto podem não ser cortes. Falar de cortes para resolver as pensões em pagamento, as de hoje e as do futuro, é inquinar a discussão.

E para o futuro?
Teríamos de redesenhar o sistema actual, retirando-lhe uma série de problemas. Nesse aspecto, o sistema sueco é um sistema com o qual se pode aprender. Tem uma série de vantagens. É evidente que não é uma ilha, tem de estar muito bem articulado com outras políticas, como a da natalidade, e os suecos souberam muito bem fazer isso.

Adaptaram o benefício às condições demográficas e económicas do país...
Mas com características muito importantes, até para haver uma abertura à mudança. Quaisquer alterações estruturantes ao sistema devem respeitar uma série de princípios. O primeiro é que o sistema tem de ser universal e obrigatório. Depois, continua a ser um sistema público, continua a ser um sistema de gestão pública. O sistema continua a ser de repartição. Isto tem uma grande vantagem: não há perda de contribuições.

E o que é que tem de novo?
A adopção de contas individuais valorizadas e a substituição de um plano de benefício definido como o que temos hoje por um plano de contribuição definida, em que a pensão vai ser calculada em função das contribuições que se acumularem ao longo da vida activa, valorizadas de acordo com o desempenho da economia e em que a pensão dependerá também da esperança de vida.

A Suécia não olhou para o sistema como uma ilha. Não tendo Portugal a mesma política bem sucedida de apoio à natalidade, por exemplo, o país não correria o risco de acabar com pensões de valores muito baixos?
Hoje já sabemos qual será a taxa de substituição [do salário pela pensão] em Portugal, se o país não mudar o sistema. De acordo com o Ageing Report 2015 da Comissão Europeia, tivemos uma taxa de 57,5% em 2013 e a projecção para 2060 é de 30,7%. E para 2020/30 já estamos a falar de 45% e 40%. Isto é com as regras actuais. As taxas de substituição são muito baixas e não são complementadas por poupança privada. Isso tem a ver com questões culturais. As empresas estão pouco envolvidas neste tema, as pessoas só muito tarde pensam em poupar para a reforma, não percebem o que é o sistema de pensões. No caso sueco, a taxa contributiva é muito mais baixa (é de 18%) do que a nossa, e a taxa de substituição pública é semelhante, sendo depois complementada por uma taxa de substituição privada.

Como é que a Suécia incentiva essa poupança?
Tem incentivos fiscais e há uma questão cultural. E depois há uma grande diferença: as contas individuais, que são uma âncora do sistema sueco, fornecem uma grande transparência, permitem que as pessoas entendam aquilo que é possível virem a receber da pensão pública. Além disso, o sistema de contas individuais tem incentivos para que um trabalhador não fuja ao sistema. Um trabalhador sabe que, quanto mais contribuir, mais recebe. O sistema sueco não é um sistema milagroso. Não vai só por si garantir mais pensão, porque ela fica muito dependente da economia. Mas é muito transparente, é muito o espelho do que é a economia e a demografia, gera equidade, gera estabilidade. E apela à necessidade de as pessoas também pouparem para a reforma. O que temos hoje em Portugal é que o Estado não só não é capaz de cumprir todas as promessas, como deixou um vazio.

Em Portugal será possível chegar a um acordo político como aquele a que se chegou na Suécia?
O que podemos concluir com a Suécia, dada a base alargada de representação social que foi possível juntar para fazer uma reforma, é que a necessidade aguça o engenho. Perante problemas concretos, perante a necessidade de estabilizar o sistema e dedicar o tempo a outras coisas, de fazer com que deixasse de haver conflitos políticos permanentes e se arrumasse esse assunto, tornando o sistema fiável, de confiança, foi possível unir esforços. E os partidos tinham também clivagens ideológicas. Em Portugal, não há dúvida de que à partida haverá posições diferentes. E compreendo que os autores da reforma de 2007, que foi apresentada como resolvendo todos os problemas, tenham agora dificuldade em admitir que se pode fazer de outra maneira. Mas o problema é político, porque há soluções técnicas. Se não for o modelo sueco há outras soluções. O problema é a falta de entendimento para se fazer uma estabilização do sistema.

Nos programas do PS e da coligação não parece haver pontos comuns na área da Segurança Social.
Há um ponto em comum. Ambos admitem que existem problemas estruturais. Está lá escrito. E sabem de onde é que eles vêm. São problemas graves de origem demográfica. E nenhum deles se escusa à necessidade de uma reforma. Portanto, está em aberto.

Poderá haver espaço para entendimento?
Não sei, vamos ver se a necessidade aguça o engenho.

Que tipo de acordo é que antecipa entre as duas partes?
As partes estão distantes. O que as une é o entendimento de que há um problema demográfico. Há outros problemas, mas em relação a este há um entendimento. Não me parece muito difícil um acordo para um sistema obrigatório, universal, público, de gestão pública, mantendo-se a repartição, com contas individuais e mantendo um sistema de solidariedade, obviamente, com uma pensão para todas as pessoas que não têm uma carreira suficiente para ter uma pensão mínima, e a substituição dos planos de contribuição de benefício definido. Parece-me possível um acordo em relação a essa matéria. Os programas abrem a porta às contas individuais.