O sistema de aprendizagem (ou ensino dual) que ocupa 40% dos jovens é apontado como uma das principais razões para a reduzida taxa de desemprego jovem na Áustria. É assim?
Há várias razões que explicam os números. A primeira tem a ver com a elevada participação dos jovens na educação — cerca de 87% de jovens entre os 15 e os 19 anos estão integrados no sistema de educação e, por essa razão, não fazem parte da população activa. A segunda razão tem a ver com o sistema de aprendizagem que ocupa entre 25% a 30% dos jovens [nesta faixa etária]. A terceira razão tem a ver com a transição suave entre o sistema de aprendizagem e o mercado de trabalho: a maior parte dos jovens que termina a sua formação numa empresa consegue um contrato de trabalho praticamente de um dia para o outro. Uma quarta razão tem a ver com o enorme investimento em políticas activas de emprego para os jovens. O Estado austríaco gasta à volta de 360 milhões de euros por ano com as pessoas entre os 15 e os 24 anos. É a combinação destas quatro razões que ajuda a explicar a realidade do desemprego jovem na Áustria.
Quem são os jovens que estão desempregados? É um problema sobretudo das minorias e dos imigrantes?
Não temos propriamente um problema de minorias na Áustria, temos sim muitos imigrantes que têm um peso elevado no grupo dos jovens. O risco de desemprego e de não terem terminado o ensino obrigatório entre os imigrantes é muito maior do que entre os jovens que nasceram e foram criados na Áustria. A questão não é apenas se estão empregados ou não, mas a educação que têm. Temos de olhar para os números do abandono escolar precoce e, apesar de a Áustria ter uma posição relativamente confortável em comparação com uma grande parte dos países da Europa, os números revelam apenas metade da realidade. Os dados europeus são baseados num inquérito e não são totalmente verdadeiros, nem para a Áustria nem para os outros países. É um problema maior que que pensamos.
Em Portugal, além do elevado desemprego, temos também o problema do emprego precário e mal pago associado às camadas mais jovens da população. Esse é um problema que também se coloca na Áustria?
Também temos algumas preocupações nesse sentido. A economia na Áustria está a aumentar as suas expectativas em relação à formação educacional dos jovens. A probabilidade de ficar desempregado, se não tiver um certificado, está a crescer cada vez mais. Comparando com outras economias, não temos propriamente emprego mal remunerado na economia austríaca. O problema que enfrentamos tem a ver, isso sim, com a entrada dos jovens, mesmo os que têm elevados níveis educacionais, no mercado de trabalho. Assiste-se à necessidade de os trabalhadores mais velhos permanecerem mais tempo empregados e isso tem consequências e coloca problemas aos jovens que querem entrar no mercado. Tem vindo a aumentar o número de jovens que trabalham como voluntários por seis meses ou um ano. É trabalho qualificado e não pago.
Esse trabalho qualificado que não é pago pode levar os jovens a pensar que não vale a pena investir na sua formação?
Os números mostram que quanto mais elevada é a formação dos jovens, menor é a taxa de desemprego. É assim na Áustria como em Portugal, os pontos de partida é que são diferentes. Na Áustria, a taxa de desemprego dos jovens que acabam a universidade é de 2% ou 3%; é de 5% nos jovens que terminaram uma aprendizagem (ensino dual) ou o ensino vocacional numa escola e é de 8% a 10% entre os jovens que não terminaram ou apenas têm o ensino obrigatório.
O sistema de aprendizagem é apresentado como a solução para o problema do desemprego dos jovens, mas há também quem critique o sistema por se destinar sobretudo às classes mais desfavorecidas. Faz sentido haver um sistema educacional que separa desde cedo os bons alunos dos menos bons?
O sistema é uma alternativa educacional para as classes mais baixas, é uma oportunidade para se integrarem e é usado enquanto tal. Nos países com este sistema temos taxas de abandono escolar mais baixas, porque o sistema dual é uma oportunidade para os que de outra forma teriam interrompido o seu percurso escolar. Não produz desigualdade.
Uma família austríaca de classe média preferirá que os seus filhos sigam percursos académicos…
Sim, é verdade. Mas temos de pensar no que aconteceria se não tivéssemos este sistema. Estes jovens teriam abandonado a escola. Na Áustria, o sistema dual funciona de forma diferente de países que também o têm (a Alemanha, por exemplo). Não temos apenas o sistema de aprendizagem nas empresas, temos também milhares de jovens em escolas profissionais integradas no sistema de ensino.
Mas faz sentido ter um sistema para as classes mais baixas?
O sistema dual não é per se um sistema para as classes mais baixas, mas, se olharmos para os jovens que escolhem ir para aprendizagem, são sobretudo os que provêm de classes mais baixas. Eu preferiria uma estrutura completamente misturada, mas é melhor ter este sistema do que ter níveis mais elevados de jovens arredados da escola e a engrossar o número dos que não fazem nada. É a segunda melhor solução.
Nos últimos anos, o número de jovens aprendizes tem vindo a diminuir. O sistema está em crise?
A aprendizagem está a perder terreno e a tendência vai no sentido de os jovens seguirem vias mais académicas. Há, contudo, diferenças entre as grandes cidades e as zonas mais rurais, onde o sistema dual tem uma boa imagem. Tem havido políticas para tentar melhorar a imagem do sistema dual, combinando-o com níveis educacionais mais elevados e tornando-o mais atractivo para os jovens. É o chamado lehrling mit Matura e que permite seguir para a universidade. Mas a tendência é que os jovens que não teriam tido uma educação há 20 anos agora escolhem um percurso de aprendizagem; e os que seguiriam a aprendizagem, agora escolhem ir para a universidade.
É possível exportar o sistema para outros países?
O sistema começou na Idade Média e tem uma longa tradição — não é fácil exportar 500 anos de tradição. Tem que haver, sobretudo, aceitação na população e empresas que queiram investir neste sistema.
E as empresas querem?
Nas conversas que tenho com os empregadores, eles dizem que não precisam de pessoas vindas directamente da escola e que pensam apenas numa direcção. Precisam de pessoas com bases abrangentes e que possam ser formadas pela empresa, tendo em conta as suas necessidades e os avanços tecnológicos.
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