Entrevista

Os nossos vizinhos na Europa “têm uma ética do trabalho mais enraizada”

Numa economia que enfrentou uma recessão, com um elevado desemprego estrutural e em que a oferta de emprego é sobretudo precária e de baixos salários, os jovens ficam numa situação delicada, alerta o sociólogo Nuno Almeida Alves. Crescimento económico, investimento na qualificação e mais ética do trabalho são peças-chave para atacar o elevado desemprego dos jovens, recomenda.

Em países onde existe um ensino vocacional muito forte, o desemprego jovem é muito baixo. Pode inferir-se que países com esse tipo de soluções estão em vantagem?
Trata-se de uma coincidência entre uma boa performance económica e a capacidade de gerar emprego suficiente, o que permite que os cidadãos mais jovens sejam mais rapidamente incluídos no mercado de trabalho. Espanha, Grécia e Portugal são países com desempregos estruturais fortes mesmo em relação à população mais jovem e a responsabilidade está sobretudo numa economia que está paralisada e não é capaz de gerar emprego para os jovens e também para os menos jovens.

Além dessa questão económica, quais são os outros entraves ao emprego dos jovens em Portugal?
Em primeiro lugar, a possibilidade de ter emprego de qualidade. Há insuficiência de postos de trabalho e os que são gerados são a tempo parcial, de salário baixíssimo e nos serviços, sobretudo no retalho. Tudo isto gera uma dinâmica da qual é difícil sair num mercado de trabalho muito segmentado. Temos e sempre tivemos um conjunto de pessoas com empregos relativamente seguros e um outro conjunto muito alargado de pessoas com um trabalho precário, do qual não conseguirão sair porque não há postos permanentes suficientes a ser criados. Isso afecta os mais jovens, mas também as pessoas que saem da situação de desemprego.

Ter uma formação superior é a garantia de ter um emprego melhor, o problema é que nem sempre é assim. Podemos cair na armadilha de os jovens desistirem da sua formação porque o trabalho que encontram à saída da universidade é precário e mal pago?
Se o emprego que há é o precário, mal pago e inseguro, será esse que os mais jovens vão apanhar. Com excepção de algum emprego de boa qualidade que é ocupado pelas pessoas que têm uma boa credenciação escolar, cursos com procura no mercado de trabalho e uma rede de relacionamentos que lhes propicia, em situações de iguais circunstâncias, o acesso ao lugar.

Portugal tem demasiados licenciados?
Não. Podemos pensar que sim, se tivermos como referência o emprego que está a ser gerado. Se a capacidade da economia portuguesa é gerar postos de trabalho em call centers ou a virar hambúrgueres, provavelmente sim. Temos de fazer o esforço de desligar a formação escolar do mercado de trabalho. Por exemplo, um licenciado em Línguas e Literaturas Modernas tem um conjunto de competências que lhe permite trabalhar em determinadas áreas que não só dar aulas. Muitas vezes, as empresas dizem que o mercado de trabalho não lhes oferece o que eles precisam. Naturalmente que não. Uma empresa pode recrutar um engenheiro e dar-lhe as competências necessárias para o adequar ao posto de trabalho. Não é solução diminuir o output das universidades portuguesas.

Uma das soluções para resolver o problema do emprego dos jovens têm sido os estágios. São uma boa solução?
Sem termos uma economia a funcionar e com capacidade de criar emprego sustentado, o problema do emprego dos jovens não se resolve. No caso dos estágios, estamos a usar medidas que são boas para determinados casos como medidas universais. Os estágios são bons para os NEET [acrónimo que designa os jovens que não estão a estudar, nem em formação, nem a trabalhar] que já não têm há muito tempo ou nunca tiveram uma relação com o trabalho e a relação com a escola também já se foi. É bom ter uma solução intermédia que assegure horários, responsabilidade. Os estágios são bons para circunstâncias deste tipo e não para serem oferecidos aos jovens sem critério e como sendo a única coisa que há para oferecer. Depois acaba-se o estágio e venham outros. Cria-se um sistema de enorme perversidade e com fundos públicos está-se a criar subemprego precário e um esquema rotativo que impede a criação de emprego de melhor qualidade, embora em menor número. Tal como o Governo foi muito exigente com o programa Novas Oportunidades, era preciso fazer uma avaliação do impacto de todas estas linhas de financiamento que adquiriram uma dimensão brutal e é com isso que está a ser resolvido o problema do desemprego e, em parte, do desemprego jovem, retirando as pessoas da visibilidade estatística.

Portugal precisa de investir em formação intermédia?
Deve investir em ensino profissional de qualidade, mas não concordo que o crivo seja feito aos nove ou dez anos. Durante o ensino secundário, pode ser oferecida uma componente mais profissionalizante. Esse acompanhamento dos alunos e das famílias é feito, as escolas detectam, mas a aposta tem de ser feita na qualidade.

Por que razão, a partir de certa altura, se abandonou o ensino profissional?
Por uma razão histórica. No Estado Novo, mais de metade dos alunos deixava a escola depois da quarta classe. Os filhos dos funcionários, empregados de escritório e que tinham alguns meios iam para a escola comercial, para serem empregados de escritório ou do comércio, ou para a escola industrial. Os filhos da burguesia, e os poucos que conseguiam escapar ao destino, iam para o liceu, numa lógica de reprodução da capacidade financeira familiar. E estamos a falar dos homens. Depois do 25 de Abril, o novo regime criou, e bem, um sistema unificado. Apesar disso, as condições de origem não propiciavam a que as crianças permanecessem na escola e muita gente ficava pelo caminho, tínhamos taxas de abandono escolar de 50%, associadas à reprovação como mecanismo de recuperação da aprendizagem não efectuada. Havendo procura para determinados postos de trabalho, sobretudo na construção e na indústria, os jovens, em vez de ficar a marcar passo, iam trabalhar. O problema é que a procura de trabalho não qualificado teve uma queda.

A educação foi, ainda assim, um veículo de mobilidade social…
Uma vez que o capital e os recursos financeiros não abundam, foi muito através da escola, expandindo o ensino [básico e secundário] e o ensino superior, que se construiu uma mobilidade social. A sociedade portuguesa, apesar de tudo, deu um salto muito grande.

Temos alguma coisa a aprender com países como a Áustria?
Há coisas que devemos aprender com os nossos vizinhos do Centro e Norte da Europa que, apesar de tudo, têm uma ética do trabalho mais enraizada. Tínhamos alguma coisa a aprender em relação à capacidade de exercer direitos e de cumprir os deveres. Não é que eles sejam exemplares, também têm casos de corrupção, mas não é generalizada. Precisávamos de um maior planeamento em vários níveis, entre os quais na escola, e não querer fazer os melhores programas do mundo, mas programas ajustados às crianças e exequíveis. Os parceiros sociais são também mais dirigidos para a conciliação. Mas noutros campos eles também tinham muito a aprender connosco.