Miguel Macedo resistiu a protestos, fez promessas e caiu com os vistos gold

Ministro demitiu-se face a alegadas ligações com suspeitos do caso dos vistos. Enfrentou uma das maiores manifestações de polícias e prometeu reorganizar as forças de segurança e reactivar a BT.

Nuno Ferreira Santos/Arquivo

Um ano debaixo de um fogo intenso que só acabou com um escândalo judicial e político. Miguel Macedo já não viu o Natal como governante, mas foram os vistos gold que o levaram. Os fortes protestos, um deles com 20 mil polícias de todas as forças em frente à Assembleia da República com feridos e barreiras tombadas, desgastaram mas não foram suficientes para derrubar o ministro da Administração Interna. O ano de 2014 foi o requiem de um mandato que começou em 2011. Entrou nesse ano acossado pelos polícias, saiu para “defender o Governo”.

Num só ano aconteceu tudo o que antes não se imaginara durante o seu mandato. Em Fevereiro, o director-geral de Infra-estruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna (MAI), João Alberto Correia, demite-se. Em Maio, é detido e fica em prisão preventiva, suspeito de corrupção em contratos do MAI.

Seis meses depois, a Polícia Judiciária enceta uma megaoperação com efeitos avassaladores. Pela primeira vez, o director de uma polícia era detido. Manuel Jarmela Palos, que liderava o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras há mais de uma década, é suspeito de corrupção na atribuição dos vistos gold. Na acção, com 200 inspectores da PJ espalhados por todo o país, é ainda detido o presidente dos Instituto dos Registos e Notariado (IRN), António Figueiredo (amigo de Macedo) e a secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria António Anes.

A Judiciária fez ainda buscas na secretaria-geral do Ministério do Ambiente, liderada por Albertina Gonçalves. Todos se demitiram após a Operação Labirinto, mas é Macedo quem é apanhado num enredo politicamente perigoso. Sócio de Albertina Gonçalves num escritório de advogados, Macedo foi  também — antes de assumir a pasta da Administração Interna — sócio da dona da empresa sob investigação, a Golden Vista. A proprietária é Ana Luísa Figueiredo, filha do ex-presidente do IRN.

A 16 de Novembro, três dias depois do escândalo, Macedo bate com a porta. Admite que a autoridade como governante ficou diminuída com o envolvimento de pessoas que lhe são próximas.

Numa breve declaração de domingo, Macedo reconhece o que antes não lhe parecia estar em questão na guerra com os polícias, vinda já de 2013, e que chegou a colocar a segurança da Assembleia da República em causa com uma invasão das escadarias.

A braços com a crise, os agentes queriam contornar os cortes salariais. Tentam negociar, no início de 2014, com Macedo, mas sem sucesso. Com a convicção de foram enganados (no final de uma ronda de reuniões em que apenas lhes concedem aumentos no subsídio de fardamento), insurgem-se em Maio junto ao Parlamento.

Dois  grupos confrontam-se: de um lado 400 homens de serviço, do outro quase 20 mil colegas manifestantes. Dez ficaram feridos, havendo relatos então de agressões com armas brancas e uso de gás pimenta. Não chegou a ser lançado o gás lacrimogénio que a PSP pretendia usar e foi abortada a ordem de avançar com cães-polícias, evitando um cenário que poderia ter sido trágico. Os cães, acompanhados pelo agente tratador, atacariam violentamente e muitos manifestantes estariam com as armas de serviço.

A manifestação abalou a casa da democracia e levou a oposição a exigir diálogo com os polícias. O Presidente da República chegou mesmo a avisar que não se deviam “ignorar as vozes que se fazem ouvir na rua”. Porém, a este propósito, Macedo apenas recusou em Março entregar no Parlamento o relatório da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) sobre os protestos violentos dos polícias em Novembro de 2013. Macedo deixa ainda outro aviso na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. “Não entregarei o relatório e não o farei por uma razão: a IGAI não faz uma apreciação da conduta do ministro”, disse.

Nesse ano, o director da PSP, Paulo Valente Gomes, demite-se quando Macedo lhe pede para demitir os responsáveis pelo efectivo policial na manifestação. Sucedeu-lhe, porém, Luís Farinha, comandante da Unidade Especial de Polícia, precisamente um dos responsáveis pela operação policial no protesto.

Já em Julho, o superintendente Luís Farinha exige mais meios para a PSP durante a comemoração dos 143 anos daquela polícia numa cerimónia em Lisboa. Perante o ministro e o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, Luís Farinha, diz que “a massa crítica” da corporação “não permite assegurar o equilíbrio entre as necessidades e as disponibilidades” da PSP.

Os agentes da PSP não desistem e, em Abril, colocam-se em todos os aeroportos e portos do país e regiões autónomas. Milhares de turistas estrangeiros são surpreendidos à chegada a Portugal por sindicalistas da PSP que os avisam, com panfletos, de que a segurança interna estaria em causa com as medidas do Governo que os afectam. O aviso era feito em milhares de panfletos do Sindicato Nacional de Polícia entregues à porta daquelas estruturas.

Em Maio, o ministro dá sinal de querer melhorar a prestação nas polícias. Anuncia que, nos próximos anos, vai substituir por civis cinco mil agentes na PSP e da GNR, que estão em tarefas administrativas. Pretendia libertar efectivos para o patrulhamento. Macedo queria ainda reduzir 97,6 milhões de euros à despesa do ministério em 2015. Só 28,3 milhões seriam poupados com a saída do orçamento do MAI da extinta Empresa de Meios Aéreos. A pretensão ficou gravada no Orçamento do Estado para 2015, mas Macedo passou de ministro a deputado.

Saiu bem-amado pelos bombeiros, que lamentaram a demissão. No combate aos incêndios, o Tribunal de Contas revelou em Novembro despesas ilegais no aluguer de meios aéreos que ultrapassaram os seis milhões de euros em 2014. A chamada de atenção foi deixada pelo Tribunal de Contas numa decisão na qual chumbou um ajuste directo da Autoridade Nacional da Protecção Civil a um consórcio privado autorizado por um despacho de Miguel Macedo.

Ilegalidades em contratos
“As ilegalidades evidenciadas, traduzidas na preterição de concurso público em favor de ajuste directo sem obediência aos requisitos legais, configuram uma nulidade” do contrato celebrado com a Inaer, consideraram os juízes que recusaram o visto ao aluguer, em Junho passado, de dois aviões Canadair por 3,9 milhões de euros mais IVA.

Foi Anabela Rodrigues quem sucedeu a Miguel Macedo, tendo tomado posse a 19 de Novembro. Tem um percurso académico sólido, mas algumas pedras no sapato no que às funções públicas diz respeito. Na passagem pelo Centro de Estudos Judiciários, entre 2004 e 2009, Anabela Rodrigues acumulou divergências dentro da instituição, e quando em 2010 integrou a lista de juristas para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, acabou por ser chumbada por alegada falta de qualidade dos currículos.

A ministra não terá uma missão fácil. Considerado por quem o rodeia como sendo uma pessoa séria mas com algum mau génio, Macedo saiu sem cumprir a promessa de alterar as leis orgânicas da PSP e da GNR, que reactivariam a Brigada de Trânsito e a Brigada Fiscal da GNR.  A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas determinava que tal sucedesse até ao final deste ano e Macedo até prometera fazê-lo em 2013.

Em Março de 2014, na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o ministro recusou avançar, porém, com uma data para a aprovação das novas leis orgânicas destas duas polícias, apesar de ter garantido em 2012 que os diplomas estavam “prontos”.

A alteração da lei orgânica da GNR implica a alteração da lei orgânica da PSP. As competências de ambas, nomeadamente nas questões relativas à fiscalização de trânsito, sofrem mudanças. A primeira mulher a liderar o MAI deverá enfrentar dificuldades na negociação dessas leis com as chefias das polícias. Enquanto a GNR deseja reconquistar competências territoriais que perdeu, a PSP não quer abdicar do poder ganho na fiscalização do trânsito, que se traduz no arrecadar de mais receitas. A nova ministra tem agora nove meses para fazer o que ainda não foi feito nos três anos de Miguel Macedo. 

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