É um gosto apagado, como uma felicidade antiga que nem a memória é capaz de devolver.
É como ver uma fotografia de quando tínhamos quatro anos. Olhamos e dizemos que parecíamos felizes – mas já não nos lembramos se éramos, se é que alguma vez soubemos.
Nesses anos era preciso obrigar as pessoas a sorrir. Na era antes das selfies havia menos sorrisos postiços e mais sinceridade, por muito mal paga que fosse. Era-se recompensado por não ser mentiroso. Hoje é-se recompensado pela situação contrária: por parecer que acreditamos na mentira que dizemos.
Na sexta-feira comemos, à chuva de Abril, os primeiros morangos do ano. Nasceram por causa do sol de Março, prematuramente confundidos, tão enganados como deliciosos.
Comi os meus à inglesa com natas frescas da Longa Vida. É um triste monopólio. A monotonia não enjoa mas irrita.
Eram morangos bio sem pesticidas, adubos ou fungicidas. Não é uma modernice: só há umas poucas décadas é que existem essas novidades, que são para esquecer, como um interlúdio de loucura e de ganância.
Custa-me não me guiar por ideologias – é o mais fácil que há. É melhor e mais difícil guiar-me pelo sabor de cada coisa que se me apresenta. É bom? É mau? Que decida o céu da minha boca, que decida a minha língua: são elas que sabem o que eu deveras sinto.
É caso a caso que se chega à sabedoria. A inteligência só nos ajuda a gastar mais tempo, a não sermos estúpidos e a não nos deixarmos governar por preconceitos.
A felicidade é mais um acaso do que uma recompensa. Que pena – ou ainda bem?
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