Memórias de Família

Olha a felicidade

É um gosto apagado, como uma felicidade antiga que nem a memória é capaz de devolver.

É como ver uma fotografia de quando tínhamos quatro anos. Olhamos e dizemos que parecíamos felizes – mas já não nos lembramos se éramos, se é que alguma vez soubemos.

Nesses anos era preciso obrigar as pessoas a sorrir. Na era antes das selfies havia menos sorrisos postiços e mais sinceridade, por muito mal paga que fosse. Era-se recompensado por não ser mentiroso. Hoje é-se recompensado pela situação contrária: por parecer que acreditamos na mentira que dizemos.

Na sexta-feira comemos, à chuva de Abril, os primeiros morangos do ano. Nasceram por causa do sol de Março, prematuramente confundidos, tão enganados como deliciosos.

Comi os meus à inglesa com natas frescas da Longa Vida. É um triste monopólio. A monotonia não enjoa mas irrita.

Eram morangos bio sem pesticidas, adubos ou fungicidas. Não é uma modernice: só há umas poucas décadas é que existem essas novidades, que são para esquecer, como um interlúdio de loucura e de ganância.

Custa-me não me guiar por ideologias – é o mais fácil que há. É melhor e mais difícil guiar-me pelo sabor de cada coisa que se me apresenta. É bom? É mau? Que decida o céu da minha boca, que decida a minha língua: são elas que sabem o que eu deveras sinto.

É caso a caso que se chega à sabedoria. A inteligência só nos ajuda a gastar mais tempo, a não sermos estúpidos e a não nos deixarmos governar por preconceitos.

A felicidade é mais um acaso do que uma recompensa. Que pena – ou ainda bem?

 

 

 

 

  • José António Rebelo Silva, prior da freguesia de Colares desde 2006, ofereceu-nos uma missa que nos comoveu e, espantosamente, consolou.

  • Os dias contigo são os bocadinhos de manhã, tarde e noite que são avaramente permitidos aos mais felizes.

  • O que contam os descendentes de quem viveu a guerra de forma anónima? Cem anos depois do início da I Guerra Mundial, já sem a geração do trauma, a memória reconstrói-se e tenta-se a biografia portuguesa do conflito europeu.Durante três dias, os testemunhos chegaram ao Parlamento na iniciativa Os Dias da Memória.

  • Ao contrário da generalidade dos militares portugueses evocados nestas páginas, o contra-almirante Jaime Daniel Leotte do Rego (1867-1923) não precisa de ser resgatado do esquecimento

  • Joaquim de Araújo foi uma testemunha privilegiada de alguns dos mais duros combates da guerra em Moçambique

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