Memórias de Família

Memórias de Família

O evadido que pediu ajuda para os seus homens

João Sacadura conseguiu fugir de um campo de prisioneiros, conta a sua sobrinha

João de Almeida Sousa Sacadura foi militar até morrer. Durante a I Guerra Mundial, lutou nas campanhas de África e da Europa, recebeu medalhas e distinções, foi preso pelos alemães e fugiu. Nascido em Viseu, morreu em África, onde passou parte da sua vida. A sobrinha, Fernanda Sacadura, ainda guarda fotografias e documentos deste tio com uma vida a lembrar um livro de aventuras.

Fernanda também se lembra de uma caixa de madeira, com o número 7, que pertencera ao espólio do tio aquando da sua passagem pelo Corpo Expedicionário Português, mas essa já não a tem. “Ofereci o baú ao Museu Militar do Porto”, diz a sobrinha do homem nascido em Viseu, a 17 de Junho de 1896, que foi para a guerra como alferes mas morreria como capitão, com apenas 45 anos.

Fernanda ainda se lembra de ouvir o pai contar o orgulho que sentia quando “via o irmão passar a cavalo com as peças de artilharia”. A João Sacadura a Grande Guerra apanhou-o em Angola, onde participou nas chamadas “campanhas do Cuanhama”, a tentativa frustrada de Portugal ocupar este território no sul de Angola, a fim de assegurar a integridade da então colónia, perante as forças alemãs.

Segundo uma notícia publicada pelo “Diário de Luanda”, aquando da morte do português, João Sacadura “assentou praça em 1914”, o ano do início da guerra, e depois da campanha de África, em 1914 e 1915, partiria para França, já como parte do Corpo Expedicionário Português. Aí, acabaria por ser feito prisioneiro, mas, como conta ao a sua sobrinha-neta, Carla Megre, filha de Fernanda Sacadura, “como primeira obrigação de um oficial prisioneiros de guerra conseguiu evadir-se”.

João Sacadura terá, então, pedido à Cruz Vermelha Francesa para os que permaneciam presos. “Ele não gostava dos ingleses, achava que não queriam saber dos soldados portugueses. E o Governo português, a mesma coisa. O Corpo Expedicionário Português foi completamente abandonado pelo Governo. O meu tio pediu auxílio à Cruz Vermelha Francesa para os portugueses que morriam à fome nos campos de prisioneiros”, diz ao PÚBLICO Fernanda Sacadura. Já dos alemães, o alferes parecia “não ter muitas razões de queixa”, acrescenta.

A actuação de João Sacadura no teatro de guerra mereceu-lhe várias condecorações. Além de vários louvores, recebeu a medalha comemorativa do Sul de Angola, a Cruz de Guerra, a medalha comemorativa das Campanhas de França (1917-18), a da Vitoria, de Comportamento Exemplar e, a 5 de Outubro de 1926, já depois de ser promovido a tenente, foi agraciado pelo regime saído do golpe de 28 de Maio, com a distinção de cavaleiro da Ordem de Aviz.

Depois da guerra, João Sacadura continuou na vida militar, exercendo várias funções durante a ditadura. Fernanda Sacadura recorda o que se lembra de ouvir contar sobre a passagem do tio por S. Tomé, como comandante da polícia, entre 1927 e 1928. “Ele foi alertado para uma evasão dos prisioneiros, que eram quase todos presos políticos, mas muitos, para fugir aos guardas, atiraram-se ao mar e foram comidos por tubarões. Nessa altura, ele pediu transferência para Luanda”.

E foi em Luanda que João Sacadura haveria de morrer, já depois de ter casado e ter tido um filho. O seu funeral, como descreve o Diário de Luanda, teve honras militares e a presença de altos representantes civis e militares. Um colega de Sacadura “transportou o boné, a espada e as medalhas” do português.

João Sacadura, que chegou a ser ajudante de campo do Governador-Geral de Angola Bento Roma (1930), ostenta na sua campa apenas a indicação de que foi “capitão de artilharia” e que esteve em “França e Angola”, durante a I Guerra Mundial.
 

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