Memórias de Família

Memórias de Família

Francisco Diogo não voltou o mesmo

Alexandra Roldão guarda vários postais enviados pelo seu tio bisavó

Guarda-os como tesouros, aos seis postais que, como neta mais velha da sua avó, acabaram por ir para às suas mãos naquele dia em que, tinha Alexandra Róldão 17 anos, a avô lhe disse “vai lá tirar ao álbum os que quiseres”.

Os postais de que mais gosta são os bordados à mão, Kisses for my darling, diz um deles. Alguém deve ter dito ao irmão da sua bisavô paterna, Francisco Diogo, o que queriam dizer aquelas palavras em inglês, “beijos para a minha querida”. Como não tinha namorada, mandou-os às irmãs e à mãe, juntamente com algumas palavras de circunstância “muito estima que ao receber este bilhete te ia encontrar de boa saúde, eu felizmente bem com os meus camaradas”. Seria o tipo de discurso que a censura militar deixaria passar, diz ao PÚBLICO Alexandra Roldão que, é professora de Economia mas que por via deste seu tio bisavó vem lendo sobre o tema.

Pouco sabe desse familiar longínquo, mas os postais são a sua ligação à sua história, isso e umas vagas referências passadas da bisavó, contadas ao seu pai. Sabe-se que regressou da guerra mas que não veio o mesmo. Os gases, dizia a bisavó que tinha sido o gás mostarda, deixaram-lhe marcas para o resto da sua vida, que haveria de ser curta.

O seu boletim individual do Corpo Expedicionário Português, preservado no Arquivo Histórico Militar, revela que Francisco Diogo embarcou para França a 20 de Janeiro de 1917. Um mês depois, a 21 de Fevereiro, “baixou a uma ambulância”, por causas desconhecidas, mas de que só teria alta a 31 de Março. Poderá ter sido uma doença adquirida na viagem ou algo que tenha sucedido no treino ou na vida diária, nas marchas difíceis e rigorosas, enuncia a historiadora Margarida Portela, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. Foi apenas o primeiro de vários episódios de doença do soldado que, iria receber tratamentos de saúde pelo menos mais duas vezes.

A juntar aos episódios de doença, Francisco viu a sua passagem pela frente de guerra marcada também por histórias de indisciplina, traduzidas em castigos, em três alturas diferentes, o mais grave dos quais o condenou a 15 dias de detenção, já depois do final da guerra, a 13 de Março de 1919. O jovem soldado cumpriu a pena e foi posto em liberdade a 3 de Abril, podendo então regressar a casa com os restantes sobreviventes do muito massacrado do Regimento de Infantaria 22, a 25 de Abril.

Quando voltou a Portugal ainda casou, comprou uma quinta perto de Lisboa, mas seria dos problemas respiratórios que nunca o abandonaram ou da infidelidade da mulher, a família sabe apenas que se suicidou, enforcado. As razões de ter decidido pôr fim à vida quem tinha conseguido sair da guerra vivo só podem ser feitas de especulação. É o que resta em família, poucos factos, muita imaginação.
 

  • José António Rebelo Silva, prior da freguesia de Colares desde 2006, ofereceu-nos uma missa que nos comoveu e, espantosamente, consolou.

  • Os dias contigo são os bocadinhos de manhã, tarde e noite que são avaramente permitidos aos mais felizes.

  • O que contam os descendentes de quem viveu a guerra de forma anónima? Cem anos depois do início da I Guerra Mundial, já sem a geração do trauma, a memória reconstrói-se e tenta-se a biografia portuguesa do conflito europeu.Durante três dias, os testemunhos chegaram ao Parlamento na iniciativa Os Dias da Memória.

  • Ao contrário da generalidade dos militares portugueses evocados nestas páginas, o contra-almirante Jaime Daniel Leotte do Rego (1867-1923) não precisa de ser resgatado do esquecimento

  • Joaquim de Araújo foi uma testemunha privilegiada de alguns dos mais duros combates da guerra em Moçambique

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