Keynes chamou-lhes “espíritos animais” e os institutos de estatísticas tentam medi-los através de índices de confiança, mas nem políticos, nem economistas, nem outros cientistas sociais conseguem prever com precisão – e ainda menos dominar – a forma como vão evoluir. Apenas uma coisa é certa: este estado emocional, este optimismo ou pessimismo, esta confiança que as famílias e as empresas têm em relação à sua situação financeira e à do país pode influenciar fortemente o rumo da economia no curto prazo, tendo sido em diversas ocasiões um factor determinante para o aparecimento de recessões ou bolhas especulativas nos mercados.
Os “espíritos animais” são, como explicava o economista britânico, aquilo que dá às pessoas “um impulso espontâneo para a acção em lugar da inacção”, em resultado não “de uma ponderação de benefícios quantitativos multiplicada por probabilidades quantitativas”, mas sim de algo que está mais relacionado com as emoções. Na prática, o que isto significa é que uma pessoa, mesmo que no imediato não sofra qualquer alteração da sua situação financeira e mantendo exactamente o mesmo rendimento, pode, de um momento para o outro, passar a ver motivos – falsos ou verdadeiros – para se sentir mais ou menos confiante em relação ao futuro. E, quando essas mudanças de sentimento ocorrem em simultâneo em muitas pessoas, o efeito na economia pode ser muito forte e imediato.
Em Portugal, nos últimos anos, houve diversos momentos em que foi evidente o papel desempenhado pela confiança (e especialmente pela perda dela) na evolução da economia.
Alguns exemplos. Em 1998, Lisboa organizava a Exposição Mundial, Portugal estava cada vez mais próximo de garantir um lugar no clube dos países fundadores do euro e as taxas de juro e a inflação continuavam a cair para perto dos níveis das maiores potências europeias. Eram muitos os motivos para estar optimista e a verdade é que o índice de confiança dos consumidores, calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) – que resulta de um inquérito em que se pergunta pela opinião sobre a situação financeira pessoal e do país nos 12 meses que passaram e nos 12 meses seguintes –, foi subindo para valores máximos históricos. Em simultâneo, criando ainda mais motivos para optimismo, a economia crescia a ritmos próximos dos 4%, com fortes subidas do consumo privado e do investimento.
Em 2002, os motivos para optimismo já se tinham revelado claramente exagerados e o efeito da confiança na economia era já muito reduzido. Mas a partir de Abril de 2002 aquilo que se viu foi o pessimismo a tomar conta da sociedade portuguesa.
Portugal tinha acabado de entrar em confronto pela primeira vez com as regras orçamentais europeias, registando um défice superior a 3% em 2001. O Governo liderado por Durão Barroso tomou posse, acusando o executivo anterior de esconder problemas nas finanças públicas. Com Manuela Ferreira Leite nas Finanças, começaram a ser noticiadas várias medidas de austeridade. E, a 16 de Abril, no Parlamento, o primeiro-ministro declarou que Portugal estava “de tanga”.
A expressão passou a dominar as conversas no país e por isso não foi surpreendente que, em Maio, se tivesse verificado no índice de confiança dos consumidores do INE uma queda de 10,4 pontos, a mais forte variação mensal registada até ao momento. O efeito na economia foi também impressionante: ainda a maior parte das medidas de austeridade não estavam em vigor e, no quarto trimestre do ano, a economia já tinha entrado em recessão, com uma forte queda do consumo. Na década seguinte, o país haveria de assistir a várias situações semelhantes a esta.
Na Primavera de 2005, foi a vez de o recém-empossado Governo de José Sócrates colocar em causa os números do défice do anterior executivo, contando para isso com um relatório do Banco de Portugal que mostrava contas públicas muito mais desequilibradas do que o previsto. Com a população a antecipar, uma vez mais, a necessidade de medidas de austeridade, o índice de confiança dos consumidores caiu 9,3 pontos em Maio e a economia ficou próxima de uma nova recessão logo no final do ano.
Em 2008, os motivos para mais um abalo de confiança vieram do exterior. A 15 de Setembro, o banco norte-americano Lehman Brothers entrou em falência, afundando com ele os mercados financeiros internacionais. A perspectiva de uma recessão à escala mundial passou muito rapidamente a ser uma das preocupações dos portugueses e em Outubro o índice de confiança dos consumidores caiu 9,1 pontos. Logo nesse trimestre, a economia portuguesa entrou em recessão, com a quebra no consumo e no investimento a juntarem-se à diminuição sentida nas exportações.
O pior estava ainda para vir. Em Setembro de 2010, com a troika já em Atenas e os mercados a pressionarem Portugal, o Governo Sócrates apresentou o seu terceiro pacote de medidas de austeridade, o chamado "PEC3", englobado na proposta de OE para 2011. Ficou claro que Portugal iria sofrer bastante com a crise da dívida soberana da zona euro e, em Outubro, o índice de confiança dos consumidores registou a sua maior descida mensal de sempre, caindo 15,5 pontos. No trimestre seguinte, a economia entrou na recessão mais prolongada de que há registo.
Já no meio da recessão, dois momentos levaram a fortes descidas mensais nos índices de confiança. Em Abril de 2011, quando a troika foi chamada e o Governo caiu, o indicador teve uma quebra de 6,3 pontos. Em Setembro de 2012, quando o Governo anunciou o seu “enorme aumento de impostos", caiu 7,3 pontos, com nova descida de 5 pontos no mês seguinte, o que colocou o índice de confiança dos consumidores do INE no seu nível mais baixo de sempre, com a economia no auge da recessão.
Para além de se observarem estes episódios, em que a ligação entre a confiança e o ritmo da actividade económica parece clara, vários estudos científicos nacionais e internacionais têm vindo a demonstrar a existência desta relação estreita.
Em 1996, um estudo publicado pela OCDE – Confidence Indicators and Their Relationship to Changes in Economic Activity – concluiu, com base na análise de dados de diversos países, que existe “um fenómeno generalizado em que variações grandes na confiança sinalizam mudanças simultâneas ou futuras no crescimento do produto em relação à tendência e que uma variação significativa do crescimento dificilmente se consegue sustentar se não for rapidamente acompanhada por uma forte mudança na confiança”.
Quanto a Portugal, um estudo do Banco de Portugal publicado em 2013 – Confiança e Actividade Económica: o Caso de Portugal – chegou a conclusões semelhantes. As autoras escrevem que “os choques na confiança e sentimento económico são responsáveis por uma fracção não negligenciável da variação da actividade económica”. De acordo com as suas estimativas, “as alterações inesperadas na confiança do consumidor são responsáveis por mais de 20% da variância do erro de previsão da produção industrial em horizontes mais longos”, podendo o efeito ser também significativo na taxa de desemprego.
Dois prémios Nobel da Economia, George Akerlof e Robert Shiller, publicaram em 2009 o livro Animal Spirits: How Human Psychology Drives the Economy and Why It Matters for Global Capitalism, em que explicaram com detalhe como é que se processa a ligação entre confiança e a actividade económica. Uma confiança elevada estimula o consumo, o investimento, a criação de empregos e os níveis de produção. Por sua vez, o crescimento económico que daí resulta serve para reforçar ainda mais a confiança. No sentido oposto o que acontece é que uma redução da confiança faz com que as famílias se retraiam na hora de consumir e as empresas adiem investimentos, contratações de pessoal e decisões de produção.
Akerlof e Shiller defendem mesmo que existe um multiplicador de confiança. Da mesma forma que o multiplicador da despesa pública e do investimento público, por exemplo, faz com que um euro gasto se reflicta em determinado aumento do PIB, o multiplicador da confiança significa que as expectativas dos agentes económicos, positivas ou negativas, tendem a ser profecias que se auto-realizam.
Perante isto, poder-se-ia pensar que existe uma receita simples para um governo que queira pôr a economia crescer: é só activar este multiplicador da confiança. O problema, que não é nada pequeno, é saber o que é que verdadeiramente faz aumentar a confiança dos consumidores e das empresas. Não é uma tarefa fácil. Não basta dar boas notícias, é preciso que elas sejam credíveis.
E, depois, é preciso não esquecer – há situações em que apenas a confiança não basta. E é aqui que parece encontrar-se Portugal. Desde Abril de 2013 que a confiança dos consumidores em Portugal tem vindo a recuperar progressivamente dos mínimos, estando desde meados de 2014, quando a troika saiu do país, estabilizada aos níveis mais altos desde Março de 2002.
Isso pode ter contribuído para a recuperação do consumo que se tem vindo a verificar em Portugal nos últimos dois anos, mas não chegou para que a actividade económica superasse os níveis ainda muito moderados que tem vindo a registar. Embora estejam mais optimistas, as famílias e empresas portuguesas continuam limitadas, entre outras coisas, pela perda de rendimentos que sofreram e pelo endividamento que acumularam. É um caso em que os “espíritos animais” positivos acabaram por não se reforçar com uma aceleração rápida do crescimento, perdendo-se assim o efeito multiplicador de que a economia portuguesa precisaria.
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