Temos 137.846 milhões depositados nos bancos mas já estivemos mais descansados

Em apenas oito anos, Portugal assistiu ao fim abrupto de quatro bancos (BPN, BPP, BES e Banif), e cada um destes casos, diferentes entre si, provocou abalos na forma como os depositantes olham para as instituições financeiras, com maior inquietação e nervosismo. “Para as gerações actuais”, diz António Júlio Almeida, dirigente da Sefin (Associação Portuguesa dos Utilizadores e Consumidores de Serviços Financeiros), era “impensável que os bancos falissem”. Verificou-se, no entanto, que a realidade não era bem assim, e isso, logicamente, surge como um “factor que mina a confiança”.

“Diversos estudos apontam para uma quebra acentuada da confiança dos portugueses nas instituições financeiras com sede em Portugal nos últimos seis a sete anos, bem como no Banco Central Europeu”, refere Cláudia Lopes, que, juntamente com Vânia Costa, elaborou um trabalho no âmbito do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, intitulado O meu banco aconselhou-me: a importância da confiança nas escolhas financeiras.

Para esta investigadora, actualmente docente do departamento de Ciência Política da Universidade de Cambridge, “a quebra de confiança está naturalmente relacionada com a sucessão de falências de bancos nacionais e internacionais e com o impacto da crise financeira no plano social, político e económico. A confiança alicerça-se em três pilares que foram fragilizados no caso dos bancos: competência, honestidade e benevolência (importarem-se com as pessoas)”.

De acordo com dados compilados pela empresa de sondagens Gallup, apenas 35% dos inquiridos em Portugal, em 2014, afirmavam ter confiança nas instituições financeiras ou bancos. Em 2006, eram 64%.

Dos cinco países europeus que foram alvo recente de algum tipo de intervenção financeira externa, Portugal é o único que perde pontos entre 2013 e 2014, ano em que o BES foi intervencionado. Mesmo assim, entre os cinco mercados analisados (e através dos quais se verifica que a desconfiança neste sector está longe de ser uma realidade nacional), Portugal tinha o indicador menos negativo, ficando seis pontos percentuais acima da Irlanda, e a larga distância da Espanha. “Esta singularidade portuguesa pode ser explicada pela percepção e mediatização da crise nos respectivos países. Ao contrário da Irlanda, Espanha e Chipre, em que a crise foi apresentada sobretudo como uma crise bancária, no caso de Portugal, a crise foi retratada como resultado da elevada dívida externa do país, chamada crise da dívida soberana”, contextualiza Vânia Costa, que tem em curso um doutoramento em Psicologia Cognitiva na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

Se os bancos são o coração do actual sistema económico, os depósitos são a sua principal força de suporte. Quem deposita dinheiro num banco está a emprestar-lhe a sua riqueza, e, em troca, o banco paga um juro. O que acontece é que, pelo menos desde o século XVII (a inovação veio do Norte da Europa), os bancos não guardam todo o dinheiro que lhes foi confiado. Fazem-no circular pela economia através da concessão de créditos (ganhando com isso) e pedem ainda mais dinheiro emprestado a outras instituições, de modo a potenciar os seus negócios. Assim, o maior pesadelo de uma instituição financeira, e dos seus pares, é uma corrida aos depósitos. Sem capacidade para pagar, isso significa o seu fim.

Nas vésperas das intervenções efectuadas no BES e no Banif, centenas de milhões de euros que estavam nestes bancos foram retirados por depositantes, com receios sobre o seu futuro, pressionando ainda mais as instituições e as autoridades oficiais.

O dinheiro, como diz Niall Ferguson, autor da obra A ascensão do dinheiro, é “uma questão de crença e, até, de fé: crença na pessoa que nos paga, na pessoa que emite o dinheiro ou na instituição que provê os cheques ou as transferências. O dinheiro não é metal: é confiança inscrita”.

A protecção dos depósitos

No entanto, se a confiança face aos bancos já conheceu dias melhores, o facto é que, mesmo assim, os depósitos de particulares no sistema financeiro têm continuado a crescer. De acordo com os últimos dados do Banco de Portugal, o valor acumulado em Dezembro do ano passado estava nos 137.846 milhões de euros, atingindo um novo máximo histórico (ver infografia). No caso do mercado português, há a particularidade de o peso dos particulares representar cerca de metade do total dos depósitos (a sua importância tem vindo a aumentar), quando a média na União Europeia é de 38%.

As informações disponíveis mostram que os depósitos com prazo inferior a um ano são os que têm maior expressão, numa conjuntura de baixas taxas de juro, e muito dinheiro está mesmo à ordem, podendo assim ser movimentado a qualquer momento.

Uma análise do BdP mostra que o crescimento dos depósitos de particulares, em 2011, coincidiu com uma queda nas unidades de participação em fundos de investimento, evidenciando a preferência por activos com menor risco. Em Julho do ano passado, os depósitos à ordem valiam 36.051 milhões de euros, tocando um novo recorde.

A subida dos depósitos tem sido advogada pelo Banco de Portugal como a prova de que, nestes últimos anos, foi salvaguardada a confiança no sistema financeiro, e que a evolução registada “espelha a manutenção da confiança dos clientes bancários”.

Cláudia Lopes, no entanto, defende que isso “não quer dizer que as pessoas confiam nos bancos”, mas antes que se sentirão protegidas por haver uma garantia que cobre os depósitos até 100.000 euros. António Júlio Almeida também não faz uma ligação directa entre a subida dos depósitos e a confiança no sistema financeiro, mas relaciona-a com a “situação de crise, que acentua a preocupação e a vontade de prevenir o futuro”.

Criado através da publicação de uma lei no final de 1992, o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) tem a responsabilidade de cobrir os depósitos até 100.000 euros (até 2008, o valor era de 25.000, mas depressa, após a queda do Lehman Brothers, a fasquia subiu de modo a manter os níveis de confiança).

Funcionando como “elemento essencial para o reforço da confiança no sistema financeiro”, como o próprio fundo atesta, este actua na esfera do Banco de Portugal e é financiado pelo sector. No entanto, está longe de ter nos seus cofres o equivalente ao universo monetário sob sua responsabilidade.

Chamado a agir em Abril de 2010, por causa do BPP, o FGD reembolsou logo nesse ano 89,2 milhões, mas a situação complexa detectada no banco até então liderado por João Rendeiro levou a que vários casos se arrastassem no tempo.

No final de 2014, o valor total de depósitos a cobrir pelo Fundo era de 121.058 milhões de euros, tendo recursos próprios de 1540 milhões. O nível de capitalização do FGD é, assim, de 1,3%, uma percentagem que fica acima dos 0,8% impostos a nível europeu.

Se a ocorrência de um pesadelo se concretizasse, e o FGD ficasse sem capacidade de cumprir a sua missão com fundos próprios (o reembolso tem de ser feito em sete dias até ao valor de 10.000 euros, e o resto no prazo máximo de vinte dias úteis após a data de indisponibilidade dos depósitos), está estipulado que este pode obter “contribuições especiais junto das instituições participantes, e ainda recorrer a empréstimos, incluindo junto de outros sistemas de garantia da UE, do Banco de Portugal e do Estado”. Isto numa altura em que a união bancária está a dar os seus primeiros passos para uma cobertura a nível europeu (que se espera concluída em 2024).

A diferença entre funcionários e o banco

Um estudo feito em 2013 por três investigadores da Universidade de Granada, intitulado Trust in bank: evidence from the spanish financial crisis, sugere que a solução para a descida de confiança nas instituições financeira deverá ter origem nos próprios bancos.

Para o responsável da Sefin, “o aumento da complexidade do sistema financeiro contribuiu para tornar mais opaca e menos transparente a actividade financeira, que ficou menos controlável pelos reguladores”, ao mesmo tempo que “de modo directo e diria proporcional, fez disparar a iliteracia financeira”.

Vânia Costa acrescenta que “num cenário de crescente sofisticação do sector financeiro, as escolhas dos consumidores baseiam-se, sobretudo, no aconselhamento que recebem ao balcão do banco”. O problema surge quando “a confiança depositada no mesmo torna-se prejudicial”, e as instituições financeiras “aproveitam de forma oportunista a relação de confiança para vender determinados produtos e serviços”. “A maioria dos consumidores ignora o facto da informação obtida ao balcão estar direccionada para a venda de produtos e serviços ou ser determinada por comissões e incentivos”, acrescenta a investigadora, dando como exemplo os lesados do GES/BES.

Curiosamente, a análise feita por Vânia Costa e Cláudia Lopes conclui que os índices de confiança dos clientes são maiores em relação aos funcionários dos bancos do que face às instituições financeiras. Para Cláudia Lopes, a confiança nos bancos foi abalada “em grande parte por notícias de escândalos e falências veiculadas pelos media, não se reflectindo na percepção de competência ou integridade do funcionários do banco em matéria de aconselhamento financeiro”. Desta forma, diz, “as pessoas tendem a não considerar a motivação dos funcionários (incentivos, comissões) para vender determinados produtos porque esta informação não está disponível”.

Assim sendo, levanta-se a questão de como resolver o problema. Para Vânia Costa, a solução seria regular as práticas comerciais das instituições financeiras. “Só a criação de um enquadramento normativo para o aconselhamento, que estabeleça os deveres gerais a que estão sujeitas as instituições financeiras, poderá garantir maior protecção para os consumidores”, sublinha. Por outro lado, diz, “é igualmente importante proceder à regulamentação da actividade de aconselhamento financeiro por profissionais credenciados que, de uma forma desinteressada, possam assistir os indivíduos na tomada de decisão.”

Muitos acontecimentos marcaram os últimos oito anos, a nível nacional e global, e não foi pela positiva. Como escreveu Niall Ferguson, “se o sistema financeiro tem um defeito, é o facto de reflectir e evidenciar o carácter dos seres humanos”. Numa altura em que se inicia o arranque das audições da comissão de inquérito parlamentar à intervenção no Banif, e que começa a segunda tentativa de venda do Novo Banco, espera-se que demore bastante tempo até haver outro caso que volte a afectar a confiança dos depositantes.

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