Manuel da Piedade era daqueles homens para quem as suas povoações são demasiado pequenas para satisfazer os seus sonhos. Nascido em Britiande, Lamego, a 27 de Junho de 1893, quis conhecer o mundo para lá dos limites da pequena vila e, assim acredita a família, foi essa a razão para se alistar no exército. O desejo levou-o tão longe quanto Angola, para onde partiu como soldado artilheiro.
Viveu a Grande Guerra em África, mas também na Europa, como atestam as fotografias guardadas pelo seu neto, Manuel Mesquita, e que integram o espólio disponibilizado à investigadora Margarida Portela, do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, para o projecto Portugal 1914-18.
Manuel Mesquita não sabe muito da vida do avô durante a guerra, mas sabe que o 2.º Sargente possuía uma condecoração militar, com referência à sua participação na guerra no Sul de Angola 1914-15 e em França 1917-18. Manuel da Piedade recebeu ainda a Medalha da Vitória e, segundo o neto, foi-lhe atribuída uma medalha de Mérito Militar de 3.ª Classe, em cobre. Apesar de a família não ter esta última peça, Manuel Mesquita não tem grandes dúvidas sobre a sua existência. “Posso (quase) confirmar, por testemunho de minha mãe, que o ouviu dizer a meu avô, que lhe tinha sido atribuída essa medalha, mas que nunca lhe tinha sido imposta em cerimónia oficial, por não ser bem quisto”, explica ao PÚBLICO o neto do militar.
É que, entretanto, a guerra acabara, mas não a vida militar de Manuel da Piedade, e esta não se desenvolveu como o regime ditatorial, introduzido no país a 28 de Maio de 1926, o desejava.
O antigo soldado da I Guerra Mundial estava aquartelado na Figueira da Foz quando, a 3 de Fevereiro de 1927 decidiu avançar, com os seus companheiros, para o Porto, para ajudar à revolta contra a ditadura. Piedade tomou assim parte no que ficou conhecido como o “pronunciamento da Mealhada” e, por isso, seria condenado, em Tribunal Militar, a sete anos de degredo em Angola.
Manuel da Piedade teria, contudo, parte da pena comutada, numa amnistia, e, em 1930, estava de regresso a Portugal, onde casou com Maria Pestana Simões, a 17 de Fevereiro. A mãe de Manuel Mesquita seria a única filha do casal. O 2.º sargento ainda prestaria algum serviço em Coimbra, nos anos de 1934 e 1935, mas o facto de ser visto como opositor não lhe dava qualquer expectativa de uma carreira militar – nunca mais foi promovido e, em 1937, foi reformado compulsivamente.
Depois disto, Piedade continuou a não ter a vida facilitada, graças à sua conotação anti-regime, e só encontraria alguma estabilidade financeira quando foi convidado a participar como sócio na sociedade que iria explorar o Café Nicola na Figueira da Foz. Foi nessa sucursal do famoso café lisboeta, como gerente, que Manuel da Piedade se manteve até à reforma.
Morreria a 6 de Junho de 1977, mas antes ainda procurou alguma justiça para a sua carreira militar. Após o 25 de Abril de 1974 pediu ao Estado “o que considerava que lhe era devido”, diz o neto, e conseguiu, desta forma, obter a pensão devida como combatente.
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