Confiança Instantânea — conquiste o mundo com o poder da confiança é o que promete, logo no título, um dos livros do britânico Paul McKeena publicado em Portugal pela Lua de Papel. E, se continuarmos a explorar a sua bibliografia — de Mude a Sua Vida em Sete Dias a Eu Consigo Que Você Emagreça —, não descemos nunca nos níveis de autoconfiança. O mercado dos livros de auto-ajuda está cheio de títulos mais ou menos bombásticos mas, no nicho da confiança — que é diferente do nicho da felicidade ou do mindfulness, por exemplo —, McKenna, que vendeu perto de 70 mil livros em Portugal, tem certamente dos mais chamativos.
Por isso, fomos perceber o método deste homem apresentado como “o autor britânico de não-ficção mais vendido em todo o mundo” e que no Reino Unido se tornou célebre também com programas de televisão, tendo-se estreado em 1993 com The Hypnotic World of Paul McKenna. A hipnose é precisamente um dos instrumentos que usa no seu trabalho, a par com a Programação Neurolinguística (PNL), uma técnica criada nos anos 1970 na Universidade da Califórnia por Richard Bandler e John Grinder.
A voz soa confiante e entusiástica do outro lado da linha telefónica, a partir de Londres, enquanto conta como ele próprio se rendeu à hipnose: “Eu trabalhava em rádio e um dia fui entrevistar um hipnotizador. Estava muito stressado, tinha acabado com a minha namorada, os vizinhos faziam barulho e eu não conseguir dormir. O hipnotizador propôs que, em vez de explicar a técnica, a poderia aplicar em mim. Eu disse OK, mas não estava à espera que funcionasse. O que aconteceu foi que ao fim de 25 minutos me sentia óptimo, como se me tivessem tirado um peso de cima, conseguia ver o futuro mais claro.”
A hipnose põe-nos a “sonhar acordados”, explica, e é isso que pretende com o CD que acompanha Confiança Instantânea. Logo no início do livro vem uma explicação: “Encontrará neste livro um CD poderoso de programação da mente que vai bombardear a sua mente com pensamentos positivos, confiança e motivação.” E sublinha: “Não é necessário que acredite numa só palavra do que digo. Limite-se a ler o livro, a seguir as minhas instruções e a usar o CD todos os dias, durante pelo menos uma semana, e a sua vida irá melhorar radicalmente!” Como é que algo funciona independentemente de acreditarmos no que estamos a ouvir?, perguntamos a McKenna. Ele dá uma gargalhada: “Tem de acreditar em mim.”
O que o autor defende é que através da visualização de um “eu mais confiante”, no qual somos convidados a entrar, e depois de ouvirmos repetidamente expressões como “aceite-se e envie amor a si mesmo”, “confie em si, torne-se mais confiante”, produzem-se alterações reais no nosso cérebro. O psicólogo clínico Américo Baptista, director da Clínica Psicológica de Desenvolvimento Humano e autor dos livros Aprender a Ser Feliz e O Poder das Emoções Positivas, é muito crítico deste tipo de abordagens que passam apenas pela palavra. “A confiança não é um antecedente, é um resultado das minhas interacções”, explica. Ou seja, não se trabalha a autoconfiança antes de agir — é preciso agir, e repetidamente, para que ela se instale em nós.
Imaginemos que estamos perante uma pessoa que tem uma grande insegurança que a impede de falar em público, que é, aliás, um dos medos mais comuns. O que fazer para lhe aumentar a autoconfiança? “Hoje existe já um conjunto grande de procedimentos”, afirma Américo Baptista. “Modificamos aquilo a que chamamos a auto-eficácia e isso não se faz verbalmente. São muito mais eficazes os procedimentos baseados no comportamento.”
É por isso que discorda da ideia de que o pensamento positivo tem eficácia. “Toda a evidência científica disponível hoje nos diz que o pensamento positivo pode ser muito atraente, mas não nos ajuda nada. Pode até ter um efeito negativo, porque não tem nada que ver com a realidade. O que é adequado é ter um pensamento realista e uma acção que nos leve a modificar o nosso comportamento.”
Quanto à hipnose, considera mesmo que se “está a entrar na charlatanice”. Voltemos por um momento à explicação que Paul McKenna dá sobre o método: “O que peço às pessoas é para imaginarem um eu mais confiante e entrarem nesse eu. E como o sistema nervoso não consegue distinguir entre uma experiência real e imaginária, cria mudanças no cérebro, com novas ligações, tal como as sinapses que surgem quando aprendemos algo de novo. Quanto mais pensamos em nós como confiantes, mais confiantes nos tornamos.”
Dá-se uma aprendizagem que McKenna compara com a que leva uma criança a aprender a abrir uma porta. “O cérebro dela faz uma generalização que lhe permite, a partir daí, abrir todas as portas. Se isso não acontecesse, todos os dias ela teria de aprender a sair e a entrar na sala. Esses hábitos são programados em nós, como num computador.” No caso da autoconfiança, esta é, sobretudo, “uma perspectiva sobre as coisas” que também se pode aprender. “O que as pessoas fazem é pensar em tudo o que pode correr mal, e é bom prepararem-se para essas eventualidades, mas é preciso pensar também em como as coisas podem correr bem.”
É uma técnica muito utilizada com desportistas. “Um atleta pode treinar durante anos e depois entrar no estádio e sentir-se de tal maneira esmagado pela experiência que não está ‘na zona’. Eu não deixaria isso ao acaso. Programar-me-ia”, afirma o britânico. Nelson Évora, director por um dia desta edição de aniversário do PÚBLICO, recorda um momento nos Mundiais de atletismo de Pequim, no ano passado, em que precisou de recorrer a técnicas que o ajudaram a manter a confiança. “Nas qualificações, estava no lote de atletas que entravam para a final quando, no momento em que estou a preparar-me para saltar, há dois atletas que me passam.” Tinha-se preparado para a possibilidade de falhar e nesse momento precisou de regressar a esse sentimento para poder “pô-lo de lado”.
“Tive de pensar que já estava preparado para aquilo e que ia fazer o que estava ao meu alcance. Temos de ser humildes para saber que isto pode acontecer-nos, somos humanos, podemos falhar, mas também temos a capacidade de inverter a situação”, conta Nelson Évora. “Muitas vezes, os favoritos, as grandes estrelas, falham porque os níveis de autoconfiança são tão grandes que de repente são apanhados de surpresa e psicologicamente vão-se abaixo.” A conclusão é que num atleta “o lado psicológico pesa muito mais do que a parte física e o atleta que ganha não é na maior parte das vezes o mais forte fisicamente, mas o que está mais bem preparado psicologicamente”. Sorri: “É isso que faz a magia do desporto.”
Paul McKenna recorda uma frase que o campeão olímpico britânico Roger Black lhe disse quando ele lhe perguntou como lidava com o facto de os adversários tomarem drogas para melhorar a performance. “Corro sempre a minha corrida perfeita”, respondeu Black. “Que maneira fantástica de pensar”, comenta o autor de Confiança Instantânea, “em vez de se comparar aos outros, o que geralmente leva as pessoas a sentirem-se inseguras, porque há sempre alguém melhor do que nós, compare-se a si mesmo. E aí a única pergunta é: estou a melhorar?”.
No caso da hipnose, McKenna diz que está “a falar directamente ao subconsciente da pessoa” no qual a mensagem fica gravada. Daí que chame ao seu CD “programação da mente”. A expressão é preocupante, mas o autor desvaloriza. “Acabo de escrever um livro sobre a influência. As pessoas estão preocupadas com o facto de as suas cabeças poderem ser programadas? Têm razão para isso, porque são mesmo. São influenciadas durante todo o dia por políticos, por fanáticos religiosos, por esse tipo de pessoas. De pessoas como eu, que as querem fazer sentir mais confiantes quando sobem a um palco, não têm de ter medo.”
Perante as teorias de McKenna, Américo Baptista contrapõe que “a confiança é um juízo consciente, em que avaliamos ‘sou capaz de fazer isto?’ — não são processos inconscientes e muito menos automáticos”. Se alguém quer atingir uma meta complexa, como falar para uma grande audiência, por exemplo, “tem de fazer uma avaliação da auto-eficácia e começar por coisas simples como falar para a família, depois para um grupo de amigos, depois um grupo maior”. No fundo, “baseia-se na acção para a percepção da auto-eficácia” e o que pensa “não pode ser positivo, tem de ser realista”. Porque, frisa novamente, “os procedimentos baseados na imaginação são ineficazes”.
Daniel Sá Nogueira, que dá cursos de realização pessoal e é autor do livro Trate a Vida por Tu (24 mil exemplares vendidos em Portugal), entrou no mundo da auto-ajuda quando ele próprio procurava uma orientação, e desde então leu dezenas de livros e frequentou inúmeros cursos e workshops em vários países. Houve coisas com as quais se identificou e outras não. A hipnose e a PNL são duas técnicas que nunca funcionaram com ele. “Acredito muito na fé e não estou a falar de religião mas daquilo em que cada um acredita só porque acredita. A PNL e a hipnose requerem fé, eu sou certificado em ambas e não consigo acreditar naquelas ferramentas por mais voltas que dê ao cérebro.”
Mas quer se prefira um autor ou outro, um método ou outro, o facto é que existem milhares de pessoas em Portugal, e muitos milhões no mundo (Paul McKenna diz que os seus livros já venderam dez milhões de exemplares), que procuram publicações de auto-ajuda. E começam também a surgir várias revistas que partem deste desejo de mudar de vida, de ser diferente, mais bem-sucedido, mais confiante — um exemplo é a norte-americana Success, que se apresenta como a leitura dos “achievers”, ou seja, do que conseguem, dos que são bem-sucedidos naquilo a que se propõem.
A primeira coisa que Daniel Sá Nogueira diz a quem frequenta os seus cursos é que a confiança absoluta é algo que não existe. Ninguém é confiante em todas as áreas e em todas as situações. “Quando se diz que uma pessoa é boa em línguas, está implícito que é boa em algumas línguas, noutras será mais ou menos e há umas que deve desconhecer. O mesmo se passa com a confiança. Quando dizemos ‘é confiante’, devíamos acabar a frase e dizer ‘… no trabalho ou com os filhos ou com ela própria’. Pessoas que se mostram muito confiantes numas áreas são muito pouco confiantes noutras.”
E como é que se ajuda alguém a vencer um medo? Daniel recorre a uma fórmula que assenta em quatro factores: “As nossas crenças, as nossas emoções, os nossos valores e os nossos comportamentos.” Dá o exemplo de Nelson Évora: “Ele acredita que é capaz (crença), gosta do desporto que faz, acorda com vontade de ir treinar e gosta de representar o país (emoções positivas), sabe quem é e quem quer ser (valores) e treina todos os dias (comportamentos). Quando os quatro factores estão fortes, a pessoa é confiante nessa área.”
Voltemos ao exemplo de alguém que tem medo de falar em público. “Um dos quatro, ou todos, não estão bem. Provavelmente acha que não sabe falar e que vão rir-se dele (crença), não se sente bem a fazer aquilo, não há nenhuma parte que lhe dê prazer (emoções), não tem nada que ver com o que ele quer ser, tem outros interesses que não passam por falar em público (valores) e nunca pratica (comportamento).” Neste caso, o melhor será canalizar a pessoa para algo que faça sentido para ela, mas, se ela insistir que, mesmo assim, precisa de falar em público, o trabalho tem de passar por reforçar as quatro componentes. Não é fácil, avisa. “Não acredito na confiança instantânea, acho que é um processo longo.”
“Por isso”, explica, “a primeira pergunta que faço aos meus alunos é: ‘Quem és tu?’”. A maior parte das pessoas não faz essa pergunta “porque pensa que se toda a gente diz que é fixe ser A, B e C, então eu quero ser A, B e C”. O problema, segundo Daniel, é que “a sociedade definiu as áreas em que as pessoas deveriam ser confiantes e menosprezou muitas outras. As pessoas extrovertidas são valorizadas. Se uma criança de dois anos brinca, ri e interage, é considerada uma criança feliz, mas se outra criança está sozinha a pensar, a ler ou a desenhar, então pensa-se que há algum problema com ela. O que acontece é que a primeira é confiante a ser extrovertida, mas pode ter pavor de estar sozinha, e a outra sente-se confiante em estar sozinha no seu mundo”. É também o que diz McKenna: “Ser confiante não significa que sejas a pessoa mais divertida da turma. Há pessoas discretas e intensas e mesmo assim muito confiantes. Ser confiante é estar confortável na própria pele.”
Encontrar essas respostas dá trabalho. O livro de Daniel Sá Nogueira é também pensado para ajudar as pessoas a chegar lá com exercícios que se devem fazer à medida que se vai lendo e que, essencialmente, implicam escrever uma avaliação pessoal e uma série de objectivos que se pretendem atingir — no fundo, o “quem sou” e “para onde quero ir”. Segue-se uma espécie de descida à realidade para definir quais os objectivos que se podem atingir no imediato e que permitam estabelecer um plano de acção que conduza a resultados (há objectivos para atingir dentro de um ano, seis meses, três meses, um mês, uma semana, um dia, uma hora e um minuto). É, diz o autor, “um minuto que muda uma hora que muda um dia que muda uma semana que muda um mês que muda um ano”.
E as pessoas mudam mesmo? Daniel admite que é pequena a percentagem — “talvez uns 10%”. No entanto, “entre quem se limita a ler o livro e quem faz os exercícios, a diferença é colossal, embora não seja o suficiente”. A autoconfiança “é como uma dieta ou um desporto de alta competição, não acontece de um dia para o outro, é um trabalho contínuo, diário, sistemático, com método e disciplina”. E reconhece: “Não é em três dias de um curso de realização pessoal que se muda a vida.”
Esta perspectiva tem pontos em comum com o que defende Américo Baptista: a necessidade de repetição. “O cérebro é um músculo, mas como qualquer músculo só muda se se repetir o movimento muitas vezes.” Por isso é crítico da ideia de que no ensino é apenas importante que uma criança compreenda. “A nossa sociedade encoraja muito o compreender, mas não o repetir. E só compreender é ineficaz, não cria a tal cicatriz no cérebro.” Dá um exemplo: “Se eu lhe explicar exactamente como se anda de bicicleta, vai compreender tudo e mesmo assim quando subir para uma bicicleta vai cair.” O mesmo se passa com a aprendizagem de outras coisas — como a autoconfiança. “Sou confiante se conseguir marcar dez golos. É preciso uma prática repetida.”
Pode-se conseguir isso através da auto-ajuda, admite, mas tudo depende dos casos. Se se tratar simplesmente de uma pessoa insegura, é relativamente fácil, mas se for alguém que paralise sempre que tem de falar em público e que seja absolutamente incapaz de o fazer, então será necessário, “pelo menos, uns três a quatro meses para que uma terapia seja eficaz”. Paul McKenna, pelo contrário, garante: “Nunca falhei em tornar alguém mais confiante ou em curar uma fobia.” Quanto ao seu livro e CD, diz que “sete em cada dez pessoas sofrem uma alteração significativa nas suas vidas”.
E será essa insegurança algo com que se nasce? McKenna acredita que “há uma parte genética, mas a confiança é algo que se aprende”, e aí os pais têm um papel determinante. No seu caso, apesar de os pais lhe terem incutido confiança, os anos que passou numa escola católica, que descreve como “um lugar muito mau”, destruíram muita dessa autoconfiança. “Porque é que o medo de falar em público é tão generalizado? Porque o nosso sistema de ensino tem uma abordagem completamente estúpida da educação. Pôr uma criança a ler em frente da turma com os outros a chamarem a atenção para os erros é a forma mais estúpida de se lidar com isso. A maneira como aprendemos na escola está totalmente ultrapassada.”
No caso de pessoas que são “fóbicos sociais”, por exemplo, com altos níveis de insegurança e ansiedade, “habitualmente há uma vulnerabilidade genética”, explica Américo Baptista. “Há bebés que olham para uma cara estranha e choram, têm essa vulnerabilidade e um sistema nervoso hiper-reactivo.” Se a mesma vulnerabilidade existir nos pais, “estes vão educar a criança de um ponto de vista inibidor, inculcando-lhe mais medo” e não “promovendo um comportamento exploratório”. Às vezes, nem são precisas palavras, “há um reflexo de medo que se nota nos olhos e é para os olhos dos pais que os filhos olham quando têm dúvidas”. Por isso, conta, “nesses casos nem queremos ver a criança, o trabalho tem de ser feito com os pais”.
E o caso contrário — excesso de confiança — pode também ser um problema? É possível ficarmos demasiado autoconfiantes? Daniel Sá Nogueira defende a teoria de que há uma autoconfiança masculina, mais solar e ligada à coragem, e uma feminina, mais lunar e ligada à humildade, e que só o equilíbrio entre as duas se traduz numa real autoconfiança. “José Mourinho, por exemplo, enquanto treinador tem as duas, mas quando fala com os jornalistas só tem a masculina, não é capaz de assumir um erro, de dizer ‘falhei’.” E isso é uma fragilidade. No entanto, o problema da maioria das pessoas é “excesso de autoconfiança feminina, têm muita noção do que lhes falta para lá chegar e pouca do que já conseguiram”.
“Não estamos a dizer que a vida é uma coisa sem riscos”, sublinha, por seu lado, McKenna. “Não estou a dizer às pessoas que se dediquem ao ski e se atirem de uma ravina abaixo depois de ouvirem o meu CD da confiança, achando que a confiança as protege de tudo. Isso não vai acontecer. As pessoas com muito sucesso dizem que só correm riscos calculados.” E, acrescenta, “não nos devemos sentir superconfiantes o tempo todo, precisamos de outras emoções nas nossas vidas, precisamos também do medo, porque ele ajuda-nos a manter-nos vivos”.
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